Por Raimundo Aben Athar
Outro dia, em sala de aula, procedíamos a uma análise avançada
das demonstrações contábeis de uma grande empresa, sociedade anônima de capital
aberto, integrante do nível 1 do novo mercado da bolsa de valores brasileira. Naquelas
peças contábeis dos últimos 5 anos, buscava-se detectar indícios de que houve
gerenciamento de resultados.
Os objetivos da aula eram (1) desenvolver no alunado os
conceitos de gerenciamento de resultados, por uso de “accruals” discricionários
e também o gerenciamento de resultados, via manipulação de algumas despesas
operacionais e (2) Apontar, o quão comprometedoras podem ser tais técnicas, as
quais, efetivamente, alargam a assimetria informacional entre gestores e
investidores e, óbvio, reduzem a qualidade da informação contábil para os demais
stakeholders da empresa.
Claro deve estar que os resultados publicados por empresas
brasileiras, com o uso de técnicas de gerenciamento de resultados, em sua
maioria, encontram respaldo na legislação, posto que, tais legislações, permitem
variações e interpretações diferenciadas nas formas de apropriações e reconhecimentos
contábeis.
O objetivo aqui neste “paper” é apenas alertar o futuro bacharel em ciências contábeis e os atuais bacharéis, neófitos ou não no tema, sobre o dilema que poderão enfrentar ao optarem por apropriar um valor de despesa ou de receita, o qual, irá aumentar ou diminuir o resultado do exercício. Segundo Martinez[1] (2001, p.14) há inúmeras causas para gerenciamento de resultados contábeis, entre outros motivos, cita aquele autor:
- O desejo de preservar o cargo, mesmo que implique comprometer a qualidades dos resultados contábeis apresentados;
- A pressão dos acionistas por resultados trimestrais cada vez maiores e melhores, bem como o anseio de atrair novos investidores e acionistas;
- A ambição de obter bônus significativos (compensação), ainda que isto implique sacrifício futuro da organização.
Mas, em verdade, o que é gerenciamento de resultados? Para
Healy e Wahlen[2]
(1999, p. 368), o gerenciamento de resultados ocorre quando os gestores usam do
julgamento na elaboração dos relatórios financeiros e na estruturação das transações
com o intuito de alterar os relatórios financeiros e não chamar, ou chamar, a
atenção de alguns stakeholders sobre o desempenho econômico-financeiro da
empresa ou para influenciar os resultados de eventuais contratos que dependem dos
números contábeis divulgados.
Há duas formas de gerenciar resultados, uma delas se dá pelo
uso de “accruals”[3]
discricionários, ou seja, usa-se o reconhecimento, a apropriação, o lançamento
contábil por “opção” e não por obrigação. Exemplo. Quando a empresa procede a
uma venda em agosto, de determinado ano, para ser efetivamente recebida em
setembro, o reconhecimento da receita se dá em agosto, pelo valor da transação,
ou seja, é obrigatório (não discricionário) pelo regime de competência.
Todavia, pode ou não haver uma provisão para crédito de liquidação duvidosa
(PCLD) e o valor da provisão é eivado de subjetividades. Assim, a receita é um “accrual”
não discricionário, diz-se que é um “accrual” positivo e a despesa com PCLD, um
“accrual” negativo. Note que a decisão de criar a provisão e a decisão do valor
da provisão irão impactar o resultado do exercício para mais ou para menos. Lembrando
que em tradução livre a expressão inglesa “accrual” é reconhecida como “acumulação”
Uma das maneiras, bem simples, há modelos econométricos complexos, de identificarmos os valores dos “accruals”, em determinado período, é aplicamos a seguinte fórmula, prescrita, sugerida, por vasta literatura nacional e internacional sobre o assunto:
“ACCRUALS” = Lucro Líquido do Exercício – Fluxo de Caixa Operacional Líquido
No “frigir dos ovos”, temos uma
confrontação entre o regime de competência e o regime de Caixa. O valor da
acumulação ou “accrual” do período precisa e deve ser investigado visando
detectar possíveis tipos de uso de acumulações utilizadas por opção
(discricionária), tanto no valor, quanto na tempestividade, daí podendo
resultar o que se convencionou chamar de gerenciamento de resultados.
Note que este tipo de gerenciamento de
resultado, chamado de discricionário, tanto os órgãos reguladores, quanto as
empresas de auditoria, podem encontrar “rastros” e solicitar alterações ao
longo dos trabalhos ou informar nos relatórios específicos para os usuários da
informação contábil. Mas o que dizer de outra forma de gerenciamento de
resultado, bem mais sútil e mais difícil de ser detectado pelos órgãos
reguladores e empresas de auditoria? Refiro-me ao gerenciamento de resultado,
usando as despesas operacionais. Segundo vários autores, na literatura
acadêmica sobre gerenciamento de resultado, o gerenciamento via manipulação de
despesas operacionais é pouco discutido e também possui menos modelos econométricos,
comparativamente ao gerenciamento de resultado via “acrruals” discriminatórios.
Desnecessário lembrar que “gerenciar” resultado, em maior ou menor medida, irá
afetar itens patrimoniais e, por consequência, índices de rentabilidade,
liquidez, giro e estrutura serão afetados.
Conforme Paulo (2005 p. 23)[4],
os administradores podem manipular as atividades operacionais durante o período,
visando de atingir certas metas de desempenho. A manipulação das atividades
operacionais vai depender da transação a ser delineada. Neste contexto, podem-se
citar alguns tipos de manipulação:
- Aumento das receitas pela aceleração
do processo de vendas e/ou geração de vendas insustentáveis através de aumento
dos descontos (temporários) sobre o preço ou diminuição das restrições de
créditos aos clientes;
- Diminuição das receitas pela
postergação do envio de vendas já realizadas;
- Redução dos custos dos produtos
vendidos através do aumento dos níveis de produção (economia de escala),
fazendo com que os resultados contábeis aumentem no período; e
- Redução dos gastos com pesquisas e
desenvolvimento, treinamento de pessoal, manutenção do parque fabril. Implementar
descontos especiais ou incentivos para aumentar as vendas próximo ao fim do trimestre,
investir em um novo equipamento, contratar empregado adicional; as empresas constantemente
tomam esses tipos de decisões.
Segundo Cardoso e Martinez[5]
(2006, p.8) essa manipulação às vezes é chamada de “gerenciamento econômico da
informação contábil’ porque ela impacta o fluxo de caixa da entidade e,
consequentemente, as receitas e as despesas associadas com essa atividade.
O objetivo aqui foi apenas apontar para o bacharel e o futuro
bacharel sobre um tema que em breve irá dominar a literatura contábil brasileira:
O gerenciamento de resultados e a responsabilidade social corporativa. Em recente
trabalho publicado[6],
sobre responsabilidade social corporativa e gerenciamento de resultados em empresas
estatais chinesas, as pesquisas sugerem que as empresas socialmente
responsáveis são menos propensas a realizar atividades de gerenciamento de
resultados, isto porque podem ter um impacto negativo em suas respectivas
reputações e também pelo fato de que os compromissos de responsabilidade social
corporativa melhoram os perfis sociais das empresas e aumentam a reputação
corporativa. Lembrando que a pesquisa ocorreu na China.
Fato é que no Ocidente ou no Oriente, as questões éticas, num futuro próximo, sem dúvida alguma, tenderão a prevalecer sobre os resultados, daí a importância, tanto para os futuros Contadores, quanto para todos os Contadores em atuação no Brasil.
[1] MARTINEZ, A. L. Gerenciamento dos resultados
contábeis. Estudo empírico das companhias abertas brasileiras. 2001, 167 f. Tese
(Doutorado em Controladoria e Contabilidade) - Universidade de São Paulo: São
Paulo, 2001.
[2]
HEALY, P. M. e WAHLEN, J. M. A Review of the
Earnings Management Literature and itsImplications for Standart Setting.
Accounting Horizons, v. 13, n. 4, p. 365-383, 1999.
[3]“A expressão “accruals” tem sido usada no sentido de provisões ou estimativas. Genericamente, representam os elementos do resultado que, embora pelo regime de caixa já tenham sido efetivados, ainda não se atribuem dentro do período de apuração ou do regime de competência. De acordo com Stickney e Weil (2001, p. 791), o termo “accrual” está relacionado ao reconhecimento de despesa ou receita e do correspondente passivo ou ativo, em decorrência de um evento contábil. A ocorrência do evento em exame não se relaciona com a entrada ou saída de caixa; por exemplo: no final de determinado período, reconhece-se uma receita ou despesa de juros, independentemente dos juros terem sido recebidos ou pagos” Fonte: https://www.scielo.br/j/rac/a/Smr9qZ7TbhcGjp36JrDQBmv/?lang=pt - Acessado em 18.08.21
[4] PAULO, E. Manipulação das informações contábeis: uma
analise teórica e empírica sobre osmodelos operacionais de detecção de
gerenciamento de resultados. 2007. Tese(Doutorado em Controladoria e
Contabilidade) - Universidade de São Paulo: São Paulo,2007.
[5]
CARDOSO, R. L. e MARTINEZ, A. L. Gerenciamento de
resultados contábeis no Brasilmediante decisões operacionais. In: ENANPAD, 30.,
2006, Salvador/BA. Anais... Rio deJaneiro: ANPAD, 2006.
[6]
Are Socially Responsible Companies Really
Ethical? The Moderating Role of State-Owned Enterprises: Evidence from China.
By: Chen, Xiangyu; Safdar Sial, Muhammad; Tran,
Dang Khoa; Alhaddad, Waseem; Hwang, Jinsoo; Thu, Phung Anh. Sustainability
(2071-1050). Apr2020, Vol. 12 Issue 7, p2858.