quinta-feira, 14 de maio de 2020

Gastos com formação de atletas e o Balanço Patrimonial com ressalvas do Clube de Regatas do Flamengo em 2019: Ativo Intangível ou Despesas do período


Por Raimundo Aben Athar
raimundoathar@gmail.com

Em 01.04.2020, o Jornal O GLOBO, publicou matéria, assinada pelo jornalista Igor Siqueira, com o seguinte título: "Por que o balanço do Flamengo tem ressalva de auditoria" 
        A notícia sobre a ressalva dos auditores foi repercutida com destaque pela imprensa esportiva indicando de forma muito clara que uma ressalva em peças contábeis é interpretada pela sociedade e por alguns usuários da informação contábil como um fato, que suscita dúvida sobre a idoneidade da entidade que elaborou as peças contábeis e dá sempre a ideia de que os auditores "descobriram" um erro que precisa ser reparado. 
        Contudo, sabemos todos, que ressalvas em peças contábeis, podem significar apenas interpretações e óticas diferentes sobre questões subjetivas que existem em abundância na Contabilidade, praticada atualmente no Brasil, principalmente após a adesão do país às Normas Internacionais de Contabilidade. 
       Auditores, em trabalhos de auditoria, quando encontram um tema ainda não pacificado, sujeito a inúmeras formas de interpretação, tendem a adotar uma postura conservadora, via de regra, não se dão ao luxo de serem ousados e flexíveis em seus juízos de valor, principalmente no primeiro ano na empresa auditada. Em dúvida interpretativa, necessitam ser rígidos e hígidos e acabam, por óbvio, mais privilegiando a forma normativa (a busca do que está escrito em um código) do que propriamente a essência do fato.
    Um único motivo existiu para a ressalva. Foram os gastos ativados no Intangível na rubrica contábil "Atletas em Formação".
    Os ativos intangíveis, como um subgrupo de contas, foi incluído na Contabilidade brasileira em decorrência do processo, do que alguns autores chamam de convergência às normas internacionais de Contabilidade. Na verdade, um processo harmonizador entre as normas brasileiras e as normas internacionais de Contabilidade.
       O primeiro sinal de efetiva harmonização do Brasil às normas internacionais de contabilidade, ocorreu com as alterações havidas na lei 6.404/76, num primeiro momento, pela lei 11.638/2007 e posteriormente pela lei 11.941/2009. 
Uma dessas mudanças foi a criação do subgrupo Intangível, promovida pela inclusão no art. 179 da lei 6.404/76, do inciso VI, com a seguinte redação:

                "As contas serão classificadas do seguinte modo(...)(...)VI - no Intangível os direitos que tenham                                   por objeto bens incorporéos destinados à manutenção da companhia ou exercidos com essa                                      finalidade, inclusive o fundo de comércio adquirido"
  

A definição legal preconizada pela lei 6.404/76 enfatiza que “intangível” é apenas algo imaterial ou incorpóreo. Tal grupo de contas parece ter sido editado apenas para separar claramente os bens corpóreos dos bens incorpóreos. Antes, no Brasil, havia um grupo de contas chamado de Diferido que abrigava as "aplicações de recursos em despesas que contribuirão para a formação do resultado de vários exercícios sociais". Era onde, por exemplo, se acolhia os gastos com pesquisas e desenvolvimento de produtos, de projetos. o subgrupo de contas Intangível, abriga as mesmas contas. 
A mudança na lei, apesar de um pequeno avanço, foi um conceito que, da forma como foi redigido, mais atendia ao Direito Societário do que propriamente à Contabilidade além de ser um texto por demais abrangente e que dava margem a inúmeras interpretações. 
Desde 2005, com a criação do Comitê de Pronunciamentos Contábeis [CPC], a classe contábil passou a ser representada e efetivamente vem proporcionando, ao longo desses anos, a harmonização da Contabilidade Brasileira às Normas Internacionais de Contabilidade. Nesta toada, o Comitê de Pronunciamento Contábil [CPC] emitiu o Pronunciamento Contábil nº 04, que já se encontra em uma segunda versão. O pronunciamento possui um texto específico sobre o tema, mas tão mais abrangente sobre o que é ativo intangível, quanto criador de várias formas de se interpretar os inúmeros conceitos que envolvem o assunto. A segunda versão, embute 133 itens, dispostos em 133 páginas, com nove exemplos e uma interpretação técnica. 
Para ser caracterizado como um Ativo Intangível, segundo o pronunciamento contábil nº 04, o ativo necessita atender cumulativamente a três requisitos: (1) ser identificável, podendo ser separável ou resultar de direitos contratuais; (2) ser controlado pela entidade, ou seja ter capacidade de poder obter benefícios econômicos no futuro e restringir o acesso a esses benefícios por terceiros e (3) ser gerador de benefícios econômicos futuros, por exemplo, incluir a receita com venda de atletas ou outros benefícios econômicos no futuro.
Por sua vez o Conselho Federal de Contabilidade, editou a Norma Brasileira de Contabilidade - NBC ITG 2003, a primeira versão em 2013 e a segunda versão em 2017, sendo que nesta segunda versão, menciona diretamente cerca de treze itens da NBC TG 04, a qual, nada mais é, do que o pronunciamento 04, a pouco citado, transformado em uma Norma Brasileira de Contabilidade.
A NBC ITG 2003-R1, no item 15-A enfatiza sobre o momento da ativação do gasto como intangível:

"15-A: os gastos com formação de atleta somente podem ser reconhecidos como ativo intangível a partir do             momento em que o candidato a atleta apresentar viabilidade técnica de se tornar atleta profissional, de                      acordo com a NBC TG 04 - Ativo Intangível, especialmente os itens 13 e 54 a 64"

       O item 13 da NBC TG 04 trata da questão da necessidade de haver controle e os itens de 54 a 64, da NBC TG 04, são referências à fase da pesquisa e à fase de desenvolvimento, são itens eivados de possibilidades de interpretações diversas. Há itens que somente por analogia permitem uma associação com a atividade de formação de atletas. O item 56 apresenta exemplos de atividade de pesquisa, vejamos:

        "(a) atividades destinadas à obtenção de novo conhecimento;

        (b) busca, avaliação e seleção final das aplicações dos resultados de   pesquisa ou outros conhecimentos;

        (c) busca de alternativas para materiais, dispositivos, produtos, processos, sistemas ou serviços; e

        (d) formulação, projeto, avaliação e  seleção  final  de  alternativas  possíveis  para  materiais, dispositivos,    produtos, processos, sistemas ou serviços novos ou aperfeiçoados"

 
 Já a fase de desenvolvimento, reserva nove itens para serem analisados e, se atendidos, os gastos com a formação do atleta passam a ser reconhecidos no ativo intangível. Vejamos o item 57, um dos nove itens, da NBC TG 04 que trata da fase de desenvolvimento e estabelece as condições para que a entidade possa reconhecer um gasto com formação de atletas como ativo intangível.

"Fase de desenvolvimento 

57.   Um ativo intangível resultante de desenvolvimento (ou da fase de desenvolvimento de projeto interno)               deve ser reconhecido somente se a entidade puder demonstrar todos os aspectos a seguir                               enumerados (grifo do autor):

(a) viabilidade técnica para concluir o ativo intangível de forma que ele seja disponibilizado para uso ou                      venda;

(b) intenção de concluir o ativo intangível e de usá-lo ou vendê-lo;

(c) capacidade para usar ou vender o ativo intangível;

(d) forma como o ativo intangível deve gerar benefícios econômicos futuros.  Entre outros aspectos, a                      entidade deve demonstrar a existência de mercado para os produtos do ativo intangível ou para o próprio                  ativo intangível ou, caso  este se destine ao uso interno, a  sua utilidade;

(e) disponibilidade de recursos técnicos, financeiros e outros recursos adequados para concluir seu                            desenvolvimento e usar ou vender o ativo intangível; e

(f) capacidade de mensurar com confiabilidade os gastos atribuíveis ao ativo intangível durante seu                         desenvolvimento."

         
        Como vimos, para ativar um gasto e transformá-lo num ativo intangível é preciso: demonstrar viabilidade técnica, a intenção de concluir, a capacidade de vender o ativo, a forma como será gerado os benefícios futuros. Sem dúvida, temos aqui um fecundo e profundo exemplo do "subjetivismo responsável", tão decantado em prosa e verso na literatura contábil brasileira. 
        Da forma como está, controlar todos estes passos necessários para ativar gastos e reconhecê-lo como ativo intangível é custoso e desgastante e acaba por ser um incentivo a tratá-los como despesas. Todavia, um atleta em formação é tipicamente uma aplicação de recursos que poderá contribuir para receitas futuras. Quando constatado que o gasto não serviu para trazer receitas, lança-se como despesas no momento daquela consideração.
    Com todas as observações aqui efetuadas, segundo a interpretação dos conceitos da lei 6.404, do CPC 04 e da NBC ITG 2003 - R1, foi reconhecido e assumido pelo Clube de Regatas do Flamengo, na rubrica contábil “Atletas Em Formação”, pertencente ao subgrupo do Ativo Intangível, o saldo final de 2019 no valor de R$ 44,1 milhões. Contudo, o valor contabilizado foi ressalvado pelos auditores por discordâncias nos critérios de ativação dos gastos, capitalização e recuperação do valor ativado. 
        Vale aqui lembrar que o ativo intangível do Clube de Regatas do Flamengo desde 2017 até 2019 assumiu os seguintes valores: 2017: R$ 93,5 milhões (sem ressalvas dos auditores) 2018: R$ 178,0 milhões (sem ressalva dos auditores) e 2019: R$ 326,1 milhões (deste total somente R$ 44,1 milhões foi ressalvado). 
        Mesmo com todas as fases e todas as possibilidade de interpretações diversas aqui mencionadas, somente 13,5% dos gastos ativados como intangíveis foram ressalvados.
Não deve restar dúvida de que há possibilidade de uma série de questões interpretativas nas normas que regem o assunto “Intangível”. Existem mesmo questões, nas normas editadas, que podem dar margens a interpretações diversas. Tanto é verdade que auditores, sem alguma dúvida, quanto às suas respectivas idoneidades, adotaram, como vimos, em anos distintos, procedimentos distintos. 
Assim, sejam bem vindos, caros leitores e leitoras, ao mundo da ciência, onde questões interpretativas podem mesmo gerar opiniões diferentes e as “verdades” de cada interpretação sendo perfeitamente válidas, ou seja, aceitas por alguns e não aceitas por outros. Ainda há que haver muito congressos, seminários, painéis, simpósios, etc para a produção de "papers acadêmicos" e em algum momento surgirão questões pacificadores sobre os temas que causam dúvidas nas interpretações, mais pelo senso comum do que propriamente ter que "estar escrito no papel", expressão máxima do chamado "code law".
Em 2017 e 2018, o Clube de Regatas do Flamengo, para seus ativos intangíveis, adotava a mesma forma de reconhecimento contábil, que adotou em 2019 e, como já vimos, vale ressaltar, que tais procedimentos foram auditados e não sofreram alguma ressalva dos auditores daqueles anos de 2017 e 2018. Contudo, em 2019, outros profissionais da ciência contábil entenderam que não havia caracterização suficiente para a ativação dos gastos e sua viabilidade econômica, invocando-se assim, uma questão muito comum em auditoria, neste caso interpretada, como limitação de escopo nos trabalhos.
A rubrica contábil ressalvada denomina-se “Atletas em Formação” e, com os critérios dos auditores de 2019, segundo a opinião dos auditores de 2019, estes não encontraram evidências que suportassem a capitalização do saldo daquela rubrica, bem como, seu valor recuperável.
       A rubrica “Atletas em Formação”e pode abrigar gastos com alojamento, educação, vestuário, transporte, saúde, treinamento, comissão técnica, contratos especiais a custos históricos ou até mesmo a custos hedônicos (custos implícitos). A caracterização de um benefício econômico futuro, sem dúvida, é derivada de um contrato porque permite o controle para obter (recuperar) os recursos gerados pelos, por exemplo, custos hedônicos ou implícitos daquele contrato.
Atletas do Clube de Regatas do Flamengo, como Lucas Paquetá, Vinicius Júnior e Reinier, foram considerados “atletas em formação” no passado e certamente tiveram seus benefícios econômicos calculados, medidos e avaliados para a confecção de seus contratos especiais.
Vale lembrar que contratos especiais de trabalho, desde a idade de 14 anos dos atletas em formação, são permitidos pela CBF, conforme art. 29 do Regulamento Nacional de Registro e Transferência de Atletas de Futebol da CBF ou com 16 anos, segundo o Art. 29, desta feita, da lei 9615/98, conhecida como Lei Pelé, para o clube que não for certificado como clube formador de atletas.
Ora, estes três atletas foram vendidos muito jovens e proporcionaram ao Flamengo uma receita nominal de R$ 465 milhões nos últimos três anos, tais receitas auferidas, evidente, tornaram os benefícios econômicos calculados no passado, quando atletas em formação, extremamente subavaliados. 
Já vimos que uma das condições para ser caracterizado como Ativo Intangível é que este Ativo seja gerador de benefícios econômicos no futuro, que tenha uma base contratual e que possa ser controlado. O entendimento sobre esta forma de reconhecimento contábil no ativo Intangível, não é um entendimento pacificado. Por exemplo, em alguns países europeus, diferente do que ocorre no Brasil, os valores consumidos com formação dos atletas, desenvolvidos pelos clubes de futebol, em suas categorias de base, seja infantil, juvenil ou júnior, são tratados como despesas no período em que ocorreram, não sendo permitida a capitalização no ativo intangível dos clubes. 
Ativar um gasto significa desconsiderar que este gasto seja, por exemplo, uma despesa ou um custo do período, há que aguardar os benefícios gerados pelos gastos para amortizá-los em função, por exemplo, do tempo de um contrato. No caso do reconhecimento para ativar um gasto e considerá-lo como um ativo intangível é preciso, como vimos, concomitantemente, haver a identificação por um instrumento contratual onde possa haver controle e que provoque benefícios econômicos no futuro. Se tudo existe, então há um ativo intangível. Por outro lado, o parecer dos auditores de 2019, questiona, de forma subliminar, que os gastos não deveriam ter sido ativados e, se não ativados, deveriam ser enquadrados como despesas e não como ativo intangível.
Em 2017 e em 2018, os auditores não levantaram esta dúvida e os gastos com atletas em formação foram ativados sem alguma ressalva. Aqui está a riqueza da ciência, mesmo com o risco de gerar no leigo um desconforto, uma sensação de "bagunça" e de que “tudo pode” a depender de vários fatores. Longe disso, como já enfatizamos, a ciência caminha e ao fim e ao cabo forma juízos que passam a ser aceitos pela maioria e, de certa forma, os conceitos vão sendo pacificados.
A ciência contábil claramente é dirigida para os usuários externos da informação contábil, tais como os investidores, os financiadores de recursos, os governos e os fornecedores, os chamados stakeholders, por isso, deve a ciência contábil, de forma fidedigna, expor, relatar, demonstrar, as condições patrimoniais, financeiras, econômicas e de resultados das entidades, com ou sem fins lucrativos.
Sabemos que os relatórios contábeis (as demonstrações) são baseados em pressupostos, em postulados, em princípios e em algumas convenções, próprias da ciência contábil e que, por obvio, devem ser aplicadas e respeitadas, contudo, tal profusão de regras contábeis, algumas transformadas ou parcialmente transformadas em leis ordinárias e, portanto, correlacionadas e relacionadas a questões, civis, societárias, fiscais e também gerenciais, claro, podem gerar (e efetivamente geram) interpretações equivocadas sobre a valoração e/ou o momento de certas formas de reconhecimentos contábeis.
Vale aqui lembrar que todos os pronunciamentos contábeis que adequaram a Contabilidade praticada no Brasil à Contabilidade praticada no mundo, guardadas uma ou outra questão cultural, tais pronunciamentos, foram em sua maioria, transformados em Normas Brasileiras de Contabilidade, as NBC(s), alcançando assim praticamente todo tipo de empresa, inclusive um clube de futebol, sem finalidade lucrativa. Vale ressaltar que a adequação das normas brasileiras às normas internacionais gerou aqui no Brasil, uma expressão, muito lembrada na Academia, da qual já fizemos menção, chamada “subjetivismo responsável”, em alguns casos um “subjetivismo enviesado”, devido exatamente às questões contábeis que podem gerar cálculos e interpretações diferentes entre os Contadores no reconhecimento contábil daquelas questões. O caso dos intangíveis, não é único.
É verdade, há no Brasil muitas divergências entre, por exemplo, questões fiscais e questões societárias, tais questões geram muitas dúvidas, tanto quanto aos valores que devem ser oferecidos à tributação, quanto pura e simplesmente à valoração de alguns itens para serem apresentados no Balanço Patrimonial.
Na prática, as diversas formas de interpretação, envolvendo questões fiscais, societárias e de valoração de ativos, em alguma medida, divergem e produzem valores absolutamente diferentes. Vejamos alguns exemplos:
  • O reconhecimento do valor justo de ativos e passivos
  • A provisão e reconhecimento de perdas com créditos em   atrasos
  • As depreciações;
  • As provisões de contingências (trabalhistas, ambientais, cíveis;
  • O reconhecimento de perdas na realização de ativos (teste de recuperabilidade).
Este último item, o reconhecimento de perdas na realização de ativos, foi um dos motivos para a ressalva dos auditores no Balanço Patrimonial do Clube de Regatas do Flamengo, levantado em 31.12.2019. Deriva do fato de que os ativos não podem estar registrados por valores que excedam seus valores de recuperação, ou seja, um bem que valha 100 unidades monetárias, não deve estar registrado contabilmente por 120 unidades. O valor que poderá ser “recuperado”, neste exemplo, será de 100 unidades monetárias e é este valor que deve estar reconhecido como valor contábil no Balanço Patrimonial. Por isso, é preciso um “teste” para se obter um valor que, ao ser confrontado com o valor contábil, permita apontar a condição ou não de recuperabilidade daquele bem.
O teste de recuperabilidade deriva de algumas suposições e, como já enfatizamos, qualquer suposição, pode gerar interpretações não convergentes. Basta atentar sobre os caminhos que se deve percorrer para se aplicar o teste de recuperabilidade. Vejamos: em primeiro lugar, deve-se calcular o valor recuperável do ativo e comparar este valor com o valor contábil deste mesmo ativo, entrementes, o valor contábil do ativo é o resultado do custo histórico, menos depreciações ou amortizações e menos perdas acumuladas. O valor recuperável é, por sua vez, o resultado de uma comparação, entre o valor em uso e o valor justo, líquido das despesas para vender este ativo. Mais: O valor em uso, é função de uma taxa de desconto aplicada sobre o que se espera de receitas no futuro, trazidas a valor presente pela aplicação desta tal taxa de desconto, a qual nada mais é do que o reflexo dos riscos que se espera para os fluxos de caixa futuros estimados. O maior dos valores entre o valor em uso e o valor justo, será considerado o valor recuperável.
Diante de tantos “caminhos”, para se chegar ao dito “valor recuperável”, não é de estranhar o motivo para o tal “subjetivismo responsável”, já mencionado.
São quase cinquenta pronunciamentos contábeis emitidos pelo Comitê de Pronunciamentos Contábeis - CPC, os quais adequaram o Brasil às normas contábeis internacionais, tornando, de certa forma, as peças contábeis levantadas por empresas brasileiras, comparáveis com empresas do mundo todo.
Um desses pronunciamentos contábeis, o de nº 01, trata exatamente da “Redução ao Valor Recuperável de Ativos”. Certamente, por conta dos subjetivismos de algumas regras, surge no bojo, um conservadorismo, até natural por parte de quem é responsável pela opinião sobre a fidedignidade do levantamento de uma peça contábil.
Outro CPC, o de nº 04, já comentado, como vimos, define o tratamento contábil a ser dado aos ativos intangíveis e suas formas de reconhecimento, identificação, controle, mensuração, aplicação e apuração dos valores que devam ser reconhecidos no sistema contábil das entidades.
Vale mencionar que inicialmente, todo ativo intangível,  tirante a questão se o gasto deve ser ou não ativado, fato é que, sendo ativado, deve ser reconhecido pelo custo histórico e reconhecer pelo custo histórico não é, normalmente, um problema para os auditores, posto que deve haver base documental para formar o total de consumo os atletas em formação, por exemplo, com o alojamento, a educação do atleta, salários do pessoal da comissão técnica, transporte e vários outros itens; a  subjetividade deriva principalmente de questões como a capacidade de geração e a mensuração dos benefícios econômicos no futuro. É aqui, o principal motivo para haver eventuais ressalvas em trabalhos de auditoria.
Borges (2011)[1] , um autor português da Universidade de Aveiro, muito citado pela academia aqui no Brasil, quando o assunto é a valoração de ativos intangíveis, envolvendo jogadores de futebol, definiu como deve ser o preenchimento dos critérios de reconhecimento dos ativos intangíveis envolvendo jogadores de clubes de futebol. O quadro 1, a seguir, ilustra tais critérios:

Quadro 1
 Fonte: Elaborado por Borges(2011)
        
        Responder questões como “É capaz de gerar benefícios econômicos futuros? ou Mensurado com Confiança? Sem dúvida pode haver critérios diferentes de interpretação no reconhecimento dos valores contabilizados e quem audita pode não se sentir confortável para atestar valores que englobem, por exemplo, custos implícitos nos contratos assinados desde a tenra idade pelos responsáveis pelos atletas.
Especificamente, a base para a opinião com ressalva dos Srs. Auditores, no Balanço Patrimonial do Flamengo de 31.12.2019, foi assim relatada:

Base para opinião com ressalva
Conforme descrito na nota explicativa 8, o Clube possui gastos diretamente relacionados com a formação de atletas, registrados em seu ativo intangível, sob a referência “Atletas em formação”, no montante de R$ 44.123 mil, em 31 de dezembro de 2019. Não obtivemos evidência suficiente que suportasse os critérios de capitalização desses gastos, bem como a mensuração do valor recuperável do referido ativo intangível; consequentemente, não foi possível concluirmos sobre a adequação do referido saldo nas demonstrações financeiras."

 Apenas para efeitos didáticos, vejamos a movimentação da rubrica “Atletas em Formação” no ano de 2018, conforme quadro 2, a seguir,

Quadro 2
ATLETAS EM FORMAÇÃO - CRF
                                                                                                                               R$ em milhares
Saldo em 31.12.2017                                                                                                23.832.
+ Adições em 2018                                                                                                    23.071.
(-) Vendas/Alienações em 2018                                                                                 -9.559.
(-) Atletas considerados formados em 2018                                                              -2.143.
= Saldo em 31.12.2018                                                                                              35.201.
Fonte: Balanços Patrimoniais do Clube de Regatas do Flamengo – 2019

Cumpre ressaltar que os Balanços Patrimoniais de 31.12.2017 e 31.12.2018 foram auditados e não ressalvados pelos respectivos auditores daqueles anos. Ou seja, tiveram apenas uma opinião diferente dos auditores de 2019.
Note que o ano de 2019 inicia-se com R$ 35,2 milhões e são acrescentados, ao longo de 2019, R$ 31,6 milhões e subtraídos R$ 22,7 milhões de baixas. O quadro 3, a seguir, apresenta a composição do saldo da rubrica “Atletas em Formação” no ano de  2019:
Quadro 3
ATLETAS EM FORMAÇÃO
R$ em Milhares
Saldo em 31.12.2018                                                                                              35.201.          
+Adições em 2019                                                                                                  31.618.
(-) Vendas/Alienações de 2019                                                                              -16.499.
(-) Atletas considerados formados em 2019                                                           - 6.197.
= Saldo em 31.12.2019                                                                                           44.123.
Fonte: Balanço Patrimonial do Clube de Regatas do Flamengo – 2019             
         Não deve haver dúvida que o saldo final de 2019, ressalvado pelos auditores, foi formado após a consideração do saldo anterior de R$ 35,2 milhões, dos gastos efetivos ao longo de 2019, no valor de R$ 31,6 milhões e das baixas motivadas por atletas considerados formados e pelas vendas ou alienações ocorridas em 2019, todos os registros de custos, oriundos, como parece ser, de anos anteriores, no valor de R$ 22,7 milhões (R$ 16,5 milhões + R$ 6,2 milhões), registre-se, não foram ressalvados pelos auditores daqueles anos anteriores.
        Pelo exposto, parece que efetivamente somente os R$ 31,6 milhões de gastos lançados ao longo de 2019 foram realmente os gastos para os quais não foram obtidas evidências para a ativação, dado que nos anos de 2017 e 2018, os valores baixados já estavam ativados em períodos anteriores e não sofreram ressalvas, salvo se as baixas referem a valores ativados em 2019, o que não parece ser o caso.
O valor de R$ 31,6 milhões referentes aos gastos com atletas em formação, em 2019, representam apenas 3,6% do total do Ativo do Clube de Regatas do Flamengo.
          É comum em auditorias especiais, em perícias, em arbitragens sobre questão contábeis e até mesmo em etapas iniciais sobre avaliação de empresas (valuation), quando do início dos trabalhos, a busca, o levantamento de dados que poderão ser explorados, seja por apresentarem variações relevantes, seja por apresentarem diferenças significativas ou inconsistências na composição e/ou na evolução dos números verificados. Busca-se, nesta fase, múltiplos ou parâmetros sobre a evolução e a composição dos valores iniciais e finais das rubricas contábeis e o grupo ou subgrupo a que pertencem. Sem dúvida, séries temporais e suas inter-relações são importantes nesta fase inicial.
Há ainda vários tratamentos matemáticos e estatísticos que podem ser aplicados, os quais possibilitam apartar um fenômeno, isolar um número ou uma rubrica contábil para ser analisada, regredida ou simplesmente observar o comportamento dos itens analisados em relação ao grupo a que pertence, seja pelos excessos para mais ou para menos na evolução e na composição dos itens observados.
       Assim, vejamos a composição e a evolução do Ativo Intangível do Flamengo nos anos de 2017, 2018 e 2019. Vale destacar que tal análise não sofrerá tratamento sofisticado algum, haverá destaques apenas para a evolução e a composição dos valores nominais das rubricas pertencente ao Ativo Intangível, com destaque para a rubrica “Atletas em Formação”, cujo saldo foi objeto da ressalva em 2019.
Vale lembrar, na peça contábil publicada pelo Clube de Regatas do Flamengo, em 2019, o valor do Ativo Intangível deriva sobre os seguintes direitos: (1) atletas profissionais formados, (2) Atletas em formação e (3) Direitos Federativos/Outros.
Vejamos a seguir, nos quadros 4 e 5, a composição e a evolução dos saldos finais da rubrica ressalvada “Atletas em Formação” juntamente com as demais rubricas contábeis que compõem o ativo intangível do Clube de Regatas do Flamengo nos anos de 2017 até 2019:

Quadro 4

COMPOSIÇÃO DO ATIVO INTANGÍVEL

2017

%

2018

%

2019

%
Atletas Profission. Formados
466
0,5
1.035
0,6
5.255
1,6
Atletas em Formação
23.832
25,3
35.201
19,8
44.123
13,5
DireitosFederativos/Outros
69.803
74,2
141.767
79,6
276.775
84,9
Total do Ativo Intangível
94.101
100
178.003
100
326.153
100,0
Fonte: Balanço Patrimonial de 2019 - CRF


        Desde 2017, a rubrica contábil “Atletas em formação” do subgrupo do ativo intangível, vem diminuindo sua representatividade. Em 2017, a participação foi de 25,3%. Em 2018, a participação no grupo diminui para 19,8% e em 2019, cai mais ainda para apenas 13,5%. Vê-se, portanto, que a participação da rubrica, objeto da ressalva, pelos auditores de 2019, sua composição diminui de forma significativa, relativamente ao total dos ativos intangíveis do Clube de Regatas do Flamengo, indicando que os gastos ativados com formação de atletas, estruturalmente vem diminuindo sua participação, função do crescimento muito superior de outros itens no próprio subgrupo Intangível e, principalmente, do ativo total do Clube de Regatas do Flamengo.
O quadro 5 a seguir indica os mesmos itens do ativo intangível, desta feita, observando a evolução dos saldos em cada final de ano, desde 2017. Vejamos:

         Quadro 5

Observa-se que a rubrica ressalvada pelos auditores, “Atletas em Formação”, elevou-se nominalmente em apenas 25,2%, de 2018 para 2019, comparativamente ao total do ativo intangível que, no mesmo período teve uma variação de 83%. Assim, confirma-se a diminuição relativa da rubrica "Atletas Em Formação" comparativamente às demais rubricas do Intangível, bem como ao total do subgrupo. 
Vale acrescentar que, no Balanço Patrimonial, de 31.12.2019, ao longo do ano, o ativo circulante (os bens e direitos mais líquidos de qualquer entidade) elevou-se nominalmente em incríveis 191,8%, enquanto que, o ativo não circulante, com intangível incluído, também nominalmente, elevou-se, no mesmo período, em apenas 29,2%. Ou seja, uma pujante capitalização do patrimônio bruto do Clube de Regatas do Flamengo. 
Um outro dado que pode ser considerado é que, se os gastos com formação de atletas fossem considerados como despesas, no ano de 2019, representariam 4,7% dos R$ 677,1 milhões do total de custos e despesas operacionais Em 2018, o mesma correlação representava 5,1% de 389,9 milhões
Pode-se também comparar a adição de gastos, ocorrida entre 2018 e 2019, com atletas em formação (reveja os quadros 2 e 3), tal variação foi de 36,7%, saindo de gastos no valor de R$ 23,1 milhões em 2018, atingindo R$ 31,6 milhões em 2019.
Assim, não há nada a indicar que os gastos com formação de atletas foram desproporcionais ou chamem a atenção quando comparados pelo todo ou somente no subgrupo a que pertencem.
Importante destacar que não se questiona aqui os critérios que levaram aos auditores de 2019 à conclusão sobre a ressalva, longe disso. Decisão soberana e critérios idem. O que queremos enfatizar é que há juízos em que cada profissional pode adotar critérios diferentes, sem que uma opinião seja melhor que a outra. A opinião é apenas diferente da outra.
Evidente que, tanto os testes de observância e os testes substantivos são aplicados pelas empresas de auditoria, com a intenção de obter elementos para a opinião em relatório, visando validar ou não determinado procedimento ou reconhecimento contábil. Entretanto, há que se levar em conta que a Contabilidade praticada no Brasil, culturalmente sempre se baseou mais em  suporte da lei, do código, do que da essência do fato. No Brasil, sempre foi o governo central e não a classe contábil que decidia sobre as questões contábeis praticadas no Brasil.
É exatamente a prevalência da necessidade de ter que haver códigos (code law), para que um reconhecimento contábil possa ser considerado efetivo ou, digamos, plenamente aceito. Assim, tal questão cultural exige a aplicação de regras ou a aplicação de normas que necessitem de códigos, tutelados e chancelados pelo Estado.
Em passado recente foi assim, com os reconhecimentos contábeis referentes aos arrendamentos mercantis onde, por exemplo, na essência poderia haver um financiamento e, na verdade, juridicamente havia apenas um aluguel o qual deveria ser reconhecido por competência. A situação era tão atípica que era muito comum observamos nas peças contábeis, por exemplo, de empresas de transporte, sem algum caminhão ou outro veículo e empresas de aviação, sem algum avião nos respectivos ativos não circulante imobilizado.
Enquanto a essência da questão puramente contábil não for “capturada” por uma lei ou regra, se o fato for reconhecido de outra forma, poderá haver juízos distintos, não somente pelo que não está explícito na lei, mas pelo que está na lei e pode ser interpretado de outra maneira devido às características da língua portuguesa que, a depender do contexto, pode ter interpretações diversas.
No Brasil, por conta de um sistema contábil ainda bastante dependente do chamado “code law”, podem surgir questões conflitantes até mesmo entre as próprias leis, por exemplo as questões societárias não reconhecidas pelo fisco, quanto mais questões de interpretação do próprio conceito, transformado ou não em lei.
Uma ressalva é apenas uma opinião diferente, sem alguma adversidade, sobre interpretações diferentes, relacionadas a questões contábeis.



[1]
BORGES, Sérgio Filipe Almeida. Valoração de activos intangíveis: o caso dos jogadores de futebol. 2011. 82 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Economia, Universidade de Aveiro, Aveiro, 2011. Disponível em: <http://ria.ua.pt/bitstream/10773/7368/1/244199.pdf>. Acesso em: 06.05.2019.

quarta-feira, 22 de abril de 2020

PROPOSTA DE SOLUÇÃO DO CASO CAFÉS MONTE BIANCO(1)



PROPOSTA DE SOLUÇÃO DO CASO "CAFÉS MONTE BIANCO"[1]

Por Raimundo Aben Athar

[1] HARVARD-BUSINESS-SCHOOL - 114-P02 - NOVEMBRO 7,2000
ROBERT L. SIMONS - ANTONIO D'AVILA. Caso LACC#P02 é a versão traduzida para o português do caso #198-088 da HBS.Copyright 2013 President and fellows of Harvard College


Tarefa: Avalie a atratividade do negócio de marcas próprias:

Utilizando a projeção de produção de cafés de marca própria (tabela 5 do caso, pág. 8), estime lucro, o ROE em 2001 e o caixa no final do ano. Baseado na análise destes indicadores, que recomendações você faria a Giacomo Salvetti?













quarta-feira, 11 de março de 2020

O sistema CFC/CRC(s) é um sorvete que derrete ante o inclemente sol provocado pela indiferença da classe contábil.


O sistema CFC/CRC(s) é um sorvete que derrete ante o inclemente sol provocado pela indiferença da classe contábil.

Por Raimundo Aben Athar 

Parece heresia o título deste ensaio, mas é apenas uma constatação. Aos fatos:
No Brasil, do início de 2015, até dezembro de 2019, 270.824 brasileiros concluíram o curso de Ciências Contábeis[1], em tese, bacharéis e, portanto, aptos a exercerem legalmente a profissão, desde que, aprovados no chamado Exame de Suficiência, conforme preconiza o art. 12 do Decreto-Lei 9295/1946, alterado pela Lei 12.249 de 2010.
Em dezembro de 2015, no sistema CFC/CRC(s)[2], havia 334.675 Contadores e 197.390 Técnicos em Contabilidade registrados, perfazendo assim, um total de 532.065 profissionais de Contabilidade, distribuídos pelos 27 Estados da federação brasileira.
Em dezembro de 2019, havia 353.716 Contadores e 164.861 Técnicos em Contabilidade. Entre registros e baixas, a categoria de Contador, teve uma elevação líquida, neste lustro, da ordem de 19.041 Contadores, todavia, a categoria de Técnicos em Contabilidade teve uma diminuição líquida de 26.349 registros. Assim, o ano de 2019 termina com 518.577 registros ativos, mesmo tendo havido entre 2015 e 2019, 270.824 potenciais novos entrantes. Valendo lembrar, que o último ano de “entrada” de Técnicos em Contabilidade ocorreu no ano de 2015. A partir deste ano haverá somente baixas de Técnicos de Contabilidade.
Ainda no mesmo quinquênio, com dois concursos por ano e, com média semestral de ínfimos 31,8% de aprovação, somente 126.586 bacharéis foram aprovados e, por portanto, estiveram aptos ao registro no sistema CFC/CRC(s), conforme o citado art. 12 do Decreto-lei 9295/1946, a seguir, reproduzido.
"Art. 12.  Os profissionais a que se refere este Decreto-Lei somente poderão exercer a profissão após a regular conclusão do curso de Bacharelado em Ciências Contábeis, reconhecido pelo Ministério da Educação, aprovação em Exame de Suficiência e registro no Conselho Regional de Contabilidade a que estiverem sujeitos. (Redação dada pela Lei nº 12.249, de 2010)".

Triste constatar que, destes 126.586 Contadores, aprovados no Exame de Suficiência, entre 2015 e 2019, em termos líquidos (entradas menos baixas) somente 19.041 registraram-se no sistema CFC/CRC(s). Não é crível admitirmos que houve 107.545 baixas de registros ativos somente na categoria Contadores. Deduz-se portanto que vários aprovados, preferiram não se registrar no sistema.
 No Rio de Janeiro, não é diferente o quadro. Houve 9.229 aprovações no exame de suficiência entre 2015 e 2019 e uma queda líquida de 3.426 registros ativos. Com 31.418 concluintes no mesmo período.
Voltando ao nível Brasil, podemos concluir que 144.238 concluintes (270.824 concluintes – 126.586 aprovados) do curso de Ciências Contábeis, sequer prestaram o exame, tendo somente colado o grau de bacharel. Reparem que, neste caso, o sorvete, não derreteu. Na verdade, nem chegou a ser feito.
Num ou noutro caso há um verdadeiro exército de brasileiros, bacharéis em ciências contábeis não exercendo a profissão contábil ou a exercendo de forma irregular. Não votam, não participam de decisões, não podem se candidatar. São “bacharéis-zumbis” a vagarem na área contábil sem o exercício da plena e necessária cidadania classista para o engrandecimento da ciência contábil, da classe contábil e da profissão contábil. Nesta ordem.
Quais são os motivos para este “derretimento”? Há vários motivos no horizonte, vejamos alguns: a crise de emprego, provocada não só pela ausência de vagas, mas também e, acredito, principalmente, pela inclusão de novas tecnologias na área contábil, onde o cumprimento de obrigações acessórias, fiscais e trabalhistas, deixa de ser manual e passa a ser sistêmica. Inúmeros aplicativos com inovações “terrivelmente” práticas e... menos custosas.
Alguém já leu ou ouviu uma empresa anunciando que “faz Contabilidade a R$ 50,00”? Em primeiro lugar, tal empresa, nem de longe, “faz Contabilidade”, a empresa apenas cumpre de forma mais ágil algumas obrigações e, em alguns casos, cálculos sobre folha de pagamento. E desde quando essas obrigações e folha de pagamento podem ser consideradas Contabilidade? Desde quando abrir e fechar empresas é Contabilidade, desde quando fazer IRPF é Contabilidade? Não é. Mas a empregabilidade de grande parte dos profissionais e escritórios que também efetivamente fazem Contabilidade, dependem destas obrigações acessórias, destes fechamentos e aberturas de empresas, de março a abril, do IRPF, das folhas de pagamento e etc.
Nossa profissão é tão rica, tão rica, que até para cumprirmos tarefas que nada têm a ver com a ciência contábil, somos chamados a cumprir e nos pagam por isso, mas o profissional precisa se dar conta de que “o tempo” da obrigações acessórias, da folha, do IRPF, está se modificando com motores muito potentes, enquanto que alguns profissionais se adaptam a passos de cágado. Por este descompasso, certamente estão desesperados e esperam uma “salvação”. Mas como, dado que é impossível deter a evolução tecnológica? Resposta óbvia: Adaptando-se ao mercado, às tecnologias, enfim, às regras do jogo. Sem dúvida, um lapso de cultura, que precisa urgente de adaptação, um choque enorme e, não agindo, tais profissionais, não adaptados, serão alijados do mercado. É aqui que entra a participação dos profissionais nos CRC(s), nos Sindicatos, nos Sescon(s). É aqui que entra a atividade classista, é aqui que entra a colaboração do sistema, que é quem pode e tem recursos para ajudar nesta inexorável condição de que as novas tecnologias vêm para ficar e elas (as novas tecnologias), são como tsunamis, devastam mesmo e, se não morrermos, por um tempo, estupefatos ficamos e, como sobreviventes precisamos reconstruir nossos ambientes, nossos mercados, nossos estudos... Nada mais atual: “A única constante é a mudança” [Heraclito de Efeso].
Participo de vários grupos em mídias sociais, o que leio naqueles grupos? Reclamações sobre o alto valor das anuidades, sobre a cobrança de anuidade tanto ao profissional e concomitantemente ao escritório, sobre os leigos exercendo indevidamente a profissão contábil, sobre o sistema das eleições por chapas nos CRC(s), onde as “dinastias se perpetuam” e, absolutamente indiretas  no CFC, onde se elege um delegado que será o eleitor para se eleger um Conselheiro Federal. Mais: sobre a ineficiência da fiscalização do sistema CFC/CRC(s); sobre os altos valores de viagens e diárias dos Conselheiros, sobre as aplicações financeiras elevadas dos CRC(s) e CFC e várias outras reclamações. Mas... na maioria dos Estados, o que se vê, ao longo dos anos, “as oposições” sempre perdem. Aliás, na maioria dos Estados, somente há chapa única, ou seja, a chapa do poder, a chapa da situação.
Há ainda que considerarmos que os profissionais registrados no sistema CFC/CRC(s) absolutamente desconhecem as funções delegadas aos CRC(s) e o papel do CFC. Saibam que regionalmente os CRC(s) operacionalizam o registro e a fiscalização e eventualmente promovem cursos para os profissionais. Mais nada. Não mudam legislação alguma sobre a Contabilidade, Não mudam legislação alguma sobre o exercício da profissão, não podem desobedecer, por lei, as regras emanadas do CFC e, num certo sentido, apenas referendam as decisões emanadas do CFC.
Reparem nos seguintes dados: Em 2016, segundo o TCU, em média, apenas 7,4% da arrecadação do sistema CFC/CRC(s) foi destinada à fiscalização. Em 2018, do total arrecadado, segundo cálculos, obtidos somente nos 06 maiores CRC(s) em arrecadação de anuidades, cerca de 70% do total arrecadado pelo sistema (SP, MG, RJ, PR, RS e SC) e com o uso somente dos respectivos “portais da transparência”, foram destinados, em média, 8,6% para a fiscalização do profissional contábil e, sabemos todos a fiscalização, é o objetivo maior de qualquer Conselho que regulamenta uma profissão. É, como difundido: A fiscalização do profissional contábil é um serviço de utilidade pública, sendo esta fiscalização a maior prestação de serviço que o sistema CFC/CRC(s) cumpre para a sociedade brasileira.
Em 2018, em média, estamos “falando” de cerca de R$ 262,5 milhões arrecadados da classe contábil, dos quais, 20% foram imediatamente direcionados para o CFC e, portanto, 80% permanecem nos CRC(s). Em 2019, em média, a arrecadação do sistema, antes do repasse ao CFC, se eleva para R$ 273,5 milhões. Um crescimento de 4,2% entre 2018 e 2019.
Em 2018, somente o CFC e os seis maiores CRC(s) do Brasil aplicaram no mercado financeiro[3], em média mensal, vou repetir: em média mensal, o valor de R$ 155,0 milhões. Em 2019, o CFC e os 06 maiores CRC(s) aplicaram em média mensal R$ 367,5 milhões. 137,1% de aumento na média das aplicações no mercado financeiro. Evidente que tal poupança vem de anos, não se originou de uma hora para outra. Por qual motivo ou motivos veio sendo feita?
Algum Contador ou Técnico em Contabilidade do Brasil já indagou sobre o porquê de o sistema manter recursos financeiros tão elevados aplicados no mercado financeiro e não com a classe contábil? Claro que deve haver algum motivo e você Contador e Técnico, que sustenta este sistema, tem o direito de saber e entender estes “porquês”. Certamente você pode ou não concordar com as respostas, mas sem dúvida, como principal pagante, tem o direito de saber e decidir sobre o destino dos recursos que você aporta junto ao sistema.
          As plenárias nos CRC(s) são públicas (quantas você já compareceu?) há ouvidorias, há portais de transparência, aliás todos os dados aqui publicados estão em tais portais. Mudanças políticas não acontecem em grupos de mídias sociais, mudanças acontecem, em quaisquer democracias, com o VOTO, na participação da classe, nas plenárias e nos canais de comunicação estabelecidos nos sítios do sistema CFC(CRC(s). Há ouvidoria, há portal de transparência, há democracia e liberdade de expressão para se tentar mudar alguma coisa. Quantas vezes você, que paga, que sustenta o sistema, exerceu esta cidadania?
Vamos, se candidate, quando houver eleição. Vamos, indague ao Conselheiro que você votou sobre a visão dele sobre o sistema CFC/CRC(s). Não duvide, sem participação, sem estratégia, somente com esperança nada modificamos. Se é que você profissional de Contabilidade quer que algo se modifique. Se deseja mudança, o caminho é a participação política.
Pode ser que você seja um dos 516.022 profissionais com registros ativos, em março de 2020[4]. Em dezembro de 2019 éramos 518.577 profissionais com registros ativos. Viram como o derretimento da classe contábil vem sendo rápido? Em menos de três meses, 2.555 profissionais, entre baixas e entradas, deixaram o sistema.
Pense mais: Você já reparou quantos colegas que eram de Sescon(s) e Sindicatos voltaram a participar dos CRC(s)? Claro, naquelas entidades não há mais obrigatoriedade de anuidades/mensalidades/descontos obrigatórios e, como os profissionais particulares e os profissionais, proprietários de empresas contábeis, que sustentavam, por obrigação, aquelas entidades, deixaram de fazê-lo, quando a mensalidade/anuidade passou a ser facultativa, tais entidades ficaram sem recursos, sem visibilidade e sem alguma representatividade.
Não duvide, a profissão contábil, como todas as profissões passam por profundas transformações e seus profissionais precisam de encaminhamento, de liderança, de debates para a construção do futuro.
Um líder propõe mudanças e as conduz. Na classe contábil não pode ser diferente.
Não é crível que, mesmo com as novas tecnologias, tenhamos que viver e conviver com este excesso de burocracia, aceitarmos impassíveis a submissão de apenas sermos intermediários entre sistemas computacionais das empresas e das receitas federais, estaduais e municipais. Nossa profissão, nossa ciência, é muito maior que isso. Como mudar? Você se candidatando, votando e influenciando.




[1] Fonte: http://portal.inep.gov.br/web/guest/microdados Acessado em 09.01.2020. Somente o ano de 2019 foi estimado, usando como base os dados do próprio “portal do INEP”.
[2] Fonte: https://cfc.org.br/registro/quantos-somos-2/ Acessado em 08.03.2020
[3] Na pesquisa efetuada, não há como se determinar as taxas obtidas pelos CRC(s) e CFC. Os valores partiram das receitas financeiras informadas nos respectivos portais da transparência. Se os recursos foram aplicados, em média, a 100% do CDI, as médias mensais apresentadas estão perfeitamente avaliadas. Se admitirmos obtenção de taxas menores que 100% do CDI, as médias estarão subavaliadas, ou seja, o valor das aplicações financeiras terá sido maior do que o valor médio aqui informado.

sexta-feira, 22 de novembro de 2019

AS ELEIÇÕES PARA O CRCRJ - 2015 a 2019 QUE SURJAM NOVAS LIDERANÇAS!



AS ELEIÇÕES PARA O CRCRJ - 2015 a 2019
QUE SURJAM NOVAS LIDERANÇAS!
Por Raimundo Aben Athar

O resultado das três últimas eleições para o plenário de conselheiros da classe contábil no Estado do Rio de Janeiro é revelador. Vejamos as figuras de 01 a 03
·       Em 2015, renovação de 1/3 do plenário, com 03 chapas e 16 candidatos por chapa. Dos 57.257 profissionais registrados, 50,2% (28.743 profissionais), ou votaram em branco, ou não foram ou estavam impedidos de comparecerem às urnas. Somente 19% dos eleitores elegeram a chapa vencedora.
·       Em 2017, renovação de 2/3 do plenário, com 03 chapas e 32 candidatos por chapa. Dos 55.040 profissionais registrados, 47,4% (26.089 profissionais) ou votaram em branco, ou não foram ou estavam impedidos de irem às urnas. 32% dos eleitores elegeram a chapa vencedora.
·       Em 2019, renovação de 1/3 do plenário, com chapa única, 16 candidatos. Dos 54.061 profissionais registrados, 59,4% (32.112 profissionais) NÃO votaram na única chapa que concorria.
A inadimplência é muito alta, é verdade, mas será somente este o único motivo para tão baixa aderência à entidade que registra e fiscaliza o profissional contábil no Rio de Janeiro? Você sabia que FISCALIZAR é a principal função dos Conselhos que regulamentam profissões?
Tanto Sindicatos, quanto os SESCON(s), Federações etc, desde que as contribuições deixaram de ser obrigatórias, não possuem mais recursos em seus cofres, vivem agora de eventos, de encontros, de festas, de patrocínios, enfim. Os CRC(s) ainda não, mas se a anuidade, por exemplo, deixar de ser obrigatória, quantos profissionais continuaram pagando?
Questão fundamental a ser discutida: Qual é a percepção da classe sobre os Conselhos de Contabilidade? Qual é a percepção de valor para a classe? Precisamos, é óbvio, discutir isso.
No Rio de Janeiro, em 2019, deverão ser quase R$ 27,0 milhões arrecadados em receitas correntes (vide portal da transparência), das quais, 20% ou R$ 5,4 milhões deverão ser remetidos ao Conselho Federal. Mais: Desta sobra, de R$ 21,6 milhões, quase 60% deverá ser usado para o CRCRJ honrar despesas com pessoal (salários + benefícios + encargos). Logo, sobrarão pouco mais de R$ 8,6 milhões para os demais custeios (luz, telefone, condomínio, etc), para a promoção da fiscalização, para a realização dos cursos gratuitos, para as representações em viagens, diárias, passagens, para as aquisições de estandes em eventos e etc.
Um detalhe importante, somente com as anuidades, em 2019, potencialmente, a arrecadação deveria ser próxima de R$ 32,0 milhões. Na verdade, deverá ser de pouco mais ou de quase R$ 23,0 milhões.
Até outubro, segundo o portal de transparência, éramos cerca de 54,0 mil profissionais com registros ativos, dos quais, por volta de 5,0 mil profissionais, possuem mais de 70 anos e não pagam anuidade, logo sobram cerca de 49 mil profissionais registrados, os quais, por lei, devem pagar anuidades. Além dos profissionais, há cerca de 5,0 mil empresas contábeis, as quais, também devem pagar anuidades. Muita gente e muitas empresas para serem representadas, não é mesmo?
Não sabemos quem somos, donos ou trabalhando em escritórios micros, pequenos, médios e grandes? Quantos Contadores Públicos? Quantos Contadores de empresas privadas médias e grandes? Quantos Peritos? Quantos Auditores?
Não se iludam, enquanto estivermos sob o império da lei, é a democracia, com a política em seu bojo, que pode promover as mudanças que queremos ou a manutenção de tudo como está. 
Os números não mentem: Parece existir um círculo vicioso em cada eleição: Os mesmos pedem votos e os mesmos votam. 
É muito profissional que abre mão de participar das decisões, as quais, ao fim e ao cabo vão impactar diretamente a profissão que este mesmo profissional exerce.
Tomara que em 2021 surjam novas lideranças que possam trazer a classe para comparecer às urnas, às plenárias e participar das decisões que efetivamente representem os anseios dessa maioria.

                                 Figura 1

                                      Figura 2



                                                             Figura 3



terça-feira, 12 de novembro de 2019

A CONTABILIDADE NO RIO DE JANEIRO PRECISA DE NOVAS LIDERANÇAS


A CONTABILIDADE NO RIO DE JANEIRO

PRECISA DE NOVAS LIDERANÇAS

Por Raimundo Aben Athar

De 65% a 70% dos conselheiros eleitos para o CRCRJ concorrem seguida ou alternadamente e são recorrentemente eleitos pela classe contábil deste Estado

Vem aí novas eleições para renovação de 1/3 do Conselho e parece que nada mudará. Chapa única com vários integrantes que estão ou já estiveram no CRCRJ.

A questão, se este fato é bom ou é ruim, é outro mérito, a questão que se discute aqui é que a classe contábil precisa participar mais. Duvida? Vejamos o porquê:

Nas duas últimas eleições, para renovação de 1/3 do plenário em 2015 e para renovação de 2/3 em 2017, ocorreu (vide figuras 1 e 2 abaixo):

a)              Em 2015, com 48 candidatos, distribuídos em 03 chapas, 81% de 57.257 profissionais de Contabilidade, NÃO votaram na chapa vencedora. Ou seja, apenas 19% da classe contábil elegeu aquele grupo.

b)              Em 2017, com 96 candidatos, distribuídos em três chapas, 68% de 55.040 profissionais de Contabilidade, NÃO votaram na chapa vencedora. Ou seja, 32%, menos de 1/3 dos eleitores, votaram na chapa vencedora. 

Este aumento de votantes na chapa vencedora de 19% em 2015 para 32% em 2017, é explicado talvez, mais pelo dobro de candidatos ( de 48 para 96 candidatos) do que propriamente por outro motivo.

O que estes fatos estão a indicar?  Nas duas últimas eleições, a chapa vencedora ganha e “governa” para minorias convertidas e são estas minorias que vão às urnas manifestar sua intenção.

Como, entre 65% e 70% dos candidatos estão no CRCRJ há 10/15/20/25 anos e sempre “pedem” seu voto, está explicado o motivo para tão baixa renovação, pois os “mesmos” pedem voto e os “mesmos” votam nas “mesmas” pessoas.

Em 2019, ocorrerá a renovação de 1/3 do plenário, a chapa é única, não há oposição, mas você terá a chance de VOTAR e COBRAR de TODO o plenário as mudanças que você, por ventura, almeja.

Em 2021, haverá renovação de 2/3 de um plenário de 24 conselheiros efetivos e 24 suplentes, que tal você, profissional de Contabilidade deste Estado começar a pensar que você pode ser um futuro conselheiro e construir um novo tempo? Participe, desde já, em primeiro lugar, votando em 2019 e depois, vindo as plenárias, reclamando na ouvidoria, aplaudindo lá também, só assim construiremos um mundo melhor, uma representação mais plural, mais democrática, uma Contabilidade melhor...

                               Figura 1

                              Figura 2