Por Prof. Dr. Raimundo Aben Athar
Se um sócio desejar se retirar de
uma sociedade empresária ou vier a falecer e a forma de se apurar e liquidar o
valor das quotas, a que o sócio ou os herdeiros têm direito, não estiver
prevista no contrato social, há dois caminhos a percorrer: (1) aceitar o valor
oferecido pelos demais sócios e (2) buscar na justiça o valor que entender ter
direito a receber.
Nesta busca por justiça, admita que,
mesmo não havendo formalmente compradores e vendedores, prepare-se porque
ocorrerá o mesmo dilema: o comprador quer pagar o menor preço e o vendedor quer
receber o maior preço.
Se a saída do sócio retirante
terminar num processo judicial, considere que todo patrimônio da empresa será
avaliado a preços de saída, exatamente como se a empresa estivesse sendo
liquidada, tanto para os ativos, tangíveis e intangíveis, quanto para os passivos
e com data base definida pela legislação para o levantamento do Balanço de
Determinação ou Balanço Especial sendo a data da saída ou falecimento do(s)
sócio(s).
Há processos que simulam, até
mesmo, a demissão dos funcionários, com todos os direitos calculados,
exatamente para se obter o “real” valor de liquidação.
O trabalho de apurar haveres em
demandas judiciais requer a aplicação de inúmeras técnicas para se avaliar o
valor de liquidação das quotas que serão pagas a quem de direito.
Não havendo previsão no contrato
social, preparem-se sócios! Haverá um profissional que irá levar o magistrado a
decidir. Este profissional é um Contador, perito do juiz, e aplicará uma
metodologia desconhecida por você para informar o valor da liquidação de sua
parte na empresa.
Em análise de procedimentos
periciais, em vários processos sobre apuração de haveres na justiça brasileira,
quando o contrato social é omisso, observa-se, por parte dos peritos, tanto o
perito do juiz, quanto os peritos assistentes a adoção de vários métodos ou
procedimentos para atribuição do valor referente ao Goodwill, a partir do Balanço
de Determinação, a ser pago aos sócios retirantes ou seus herdeiros.
Os processos para se obter o
valor de quota de liquidação, seguem uma espécie de cartilha, a saber, (1) Levanta-se
a Demonstração do Resultado e o Balanço de Determinação, conforme Código Civil
e Código de Processo Civil. (2) Apura-se o goodwiil da sociedade empresária pela
aplicação de algum método existente na literatura e aceito pela justiça e (3)
Procede-se aos ajustes, adicionando ou subtraindo os valores ativos e passivos,
formando o patrimônio líquido - PL ajustado e incluindo, neste PL ajustado, o “goodwill”
calculado.
A legislação não trata especificamente de uma “demonstração de resultado de determinação”, todavia, para o Balanço de Determinação, o art. 606 do Código de Processo Civil, estabelece:
“No caso de omissão no contrato social, o juiz definirá, como critério de apuração de haveres, o valor patrimonial apurado em balanço de determinação, tomando-se por referência a data da resolução e avaliando-se os bens e direitos do ativo, tangíveis e intangíveis, a preço de saída, além do passivo também a ser apurado de igual forma”
A soma algébrica das partes de
cada item patrimonial, liquidado a preços de saída, em data determinada pela
justiça, tende a ser muito menor do que o real valor da empresa, posto que
desconsidera o fluxo de suas características tangíveis e principalmente as
características intangíveis para gerar Caixa.
O valor da empresa, em apuração
de haveres, é, na verdade, a soma de um “saldo de liquidação dos ativos e
passivos”, mais o Goodwill, calculado por uma metodologia aceita pela justiça.
Pessoas qualificadas, a ética dos
sócios, os processos eficientes, as inovações tecnológicas da empresa, a marca,
a localização estratégica, a carteira de clientes, as competências, enfim, são as
características que efetivamente contribuem para a atribuição de valor em
empresas, sejam micro, pequena, média ou de grande porte. A todas às
características mencionadas dá-se o nome de capital intelectual.
O conjunto de tais características
ou capital intelectual é chamado de Goodwill, Fundo de Comércio, Aviamento ou
Mais Valia e agrega valores abstratos, comumente não reconhecidos contabilmente,
contudo, tão importantes quanto os valores materiais e objetivos, estes sim, reconhecidos
nos sistemas contábeis das empresas.
O Goodwill pode ser mensurado por
aplicação de diversas metodologias, todas calcadas em técnicas e normas
contábeis, financeiras, econômicas e estatísticas com níveis de razoabilidade e
probabilidades, com vantagens e desvantagens em cada método, controversos em
vários pontos, ainda assim, reconhecidos pela academia e pelos profissionais
das áreas envolvidas.
O Goodwill, calculado por
metodologia aceita pela justiça, na maioria dos casos, será acrescentado ao
patrimônio da empresa, aumentando-se o ativo permanente e o patrimônio líquido
na data da resolução.
Ocorre que o Balanço de
Determinação, por ser apenas uma “fotografia”, apresentada a valores de saída, no
momento determinado pela justiça, certamente produzirá valores que não condizem
com a realidade da empresa.
Como a base para a atribuição de
valor (Balanço de Determinação) não representa corretamente o valor da empresa
e se a metologia para obtenção do goodwill não considerar minimamente o real fluxo
de caixa que a empresa produz, temos aqui a “tempestade perfeita” para se
promover injustiças.
Por exemplo, uma fábrica de
sorvete tende a produzir proporções e valores diferentes se o sócio desejar
sair ou vier a falecer em julho ou janeiro. Para tal tipo de empresa, com ou
sem reconhecimento de seu capital intelectual, em função de suas tipicidades,
já haverá comprometimento de seu valor real.
Outro exemplo, característico que
pode tornar o Balanço de Determinação injusto, como base inicial de valor, para
o cálculo do goodwill, são as empresas prestadoras de serviço, as quais não
possuem estoques, não possuem imobilizados e/ou outros ativos permanentes de
expressão, somente clientes e fornecedores. Se liquidadas, a preços de saída,
seus valores de liquidação serão ínfimos.
O valor de qualquer negócio não
deve e não pode ser descolado de suas características intangíveis ou de seu
capital intelectual e tais características somente podem ser medidas, com algum
nível de eficiência, pelo fluxo de caixa que as empresas produzem. Aliás é este
fluxo de caixa que, em verdade, sustenta a empresa e seus sócios.
É relativamente fácil conhecer o
goodwill, quando a empresa é vendida, basta verificar a diferença entre o valor
contábil, o valor justo e o valor pago pelo comprador, quanto maior o valor
pago, relativamente ao valor justo da empresa, maior a expectativa de
rentabilidade do comprador. Mas a saída do sócio, a justiça não interpreta como
uma venda e exige um balanço de determinação, com um cálculo de goodwill que,
como veremos, a seguir, pode não representar o real valor da empresa.
Para qualquer investimento, o
empresário indaga: Quando que meu dinheiro volta? (liquidez), a que taxa este
investimento volta? (rentabilidade) e a que riscos este meu investimento está
exposto? (riscos sistemáticos e riscos assistemáticos).
Quando um sócio investe como
empresário, ele, sócio paga um prêmio pelos riscos que irá correr. Se não
quiser pagar prêmio algum pelos riscos que um negócio deve suportar, ao invés
de criar uma empresa, aplica-se em papeis do governo, em tese, sem algum risco
e está resolvido o problema.
É por isso que todo sócio precisa
estar atento ao valor do seu negócio, buscando obter respostas para as questões
de liquidez, de rentabilidade e fundamentalmente de risco.
Se um sócio resolver sair de uma
empresa, ele precisará ter resposta para a seguinte questão: Quanto que estou abandonando
de fluxo de caixa? Se eu me retirar da empresa, o valor recebido me
proporcionará quanto de fluxo de caixa? O nome técnico para essas duas
respostas chama-se custo de oportunidade, ou seja, desprezar um fluxo de caixa
para obter outro fluxo de caixa.
As metodologias adotadas para o
cálculo do Goodwill, aceitas pela justiça, consideram médias aritméticas
históricas, corrigidas por algum inflator ou deflator, perpetuidades, taxas de
descontos, relações e interrelações aritméticas envolvendo as rubricas contábeis.
O método do Fluxo de Caixa Descontado também considera tudo isso, porém
relaciona e interrelaciona os dados para transformá-los em informação de modo
diferente.
Os métodos para os cálculos do
goodwill, verificados na literatura e utilizados nos processos judiciais, estão
longe de apontar o valor de uma empresa com mais acurácia do que com o método
do fluxo de caixa descontado.
Todavia, fato é que vários
métodos para se atribuir valor de empresas são aceitos nos tribunais, mas para o
fluxo de caixa descontado, não havendo permissão no contrato social, já existe,
até jurisprudência formada, impedindo sua aplicação.
Vejamos alguns trechos do Recurso Especial nº 1.877.331 - SP (2019/0226289-5), Relatora: Ministra Nancy Andrighi e R.P/acordão: Ministro Ricardo Villas Boas Cueva:
3. O artigo 606 do Código de Processo Civil de 2015 veio
reforçar o que já estava previsto no Código Civil de 2002 (artigo 1.031),
tornando ainda mais nítida a opção legislativa segundo a qual, na omissão do
contrato social quanto ao critério de apuração de haveres no caso de dissolução
parcial de sociedade, o valor da quota do sócio retirante deve ser avaliado
pelo critério patrimonial mediante balanço de determinação.
4. O legislador, ao eleger o balanço de determinação como
forma adequada para a apuração de haveres, excluiu a possibilidade de aplicação
conjunta da metodologia do fluxo de caixa descontado.
5. Os precedentes do Superior Tribunal de Justiça acerca do
tema demonstram a preocupação desta Corte com a efetiva correspondência entre o
valor da quota do sócio retirante e o real valor dos ativos da sociedade, de
modo a refletir o seu verdadeiro valor patrimonial.
6. A metodologia do fluxo de caixa descontado, associada à aferição do valor econômico da sociedade, utilizada comumente como ferramenta de gestão para a tomada de decisões acerca de novos investimentos e negociações, por comportar relevante grau de incerteza e prognose, sem total fidelidade aos valores reais dos ativos, não é aconselhável na apuração de haveres do sócio dissidente.
Sem dúvida alguma, os métodos
para cálculo do goodwill, apurados em inúmeros processos sobre apuração de
haveres na justiça brasileira também comportam “relevante grau de incerteza e
prognose”.
Os agentes econômicos pagam para
entrar (comprar) empresas e usam o método do fluxo de caixa descontado, exatamente
porque este método é o que melhor avalia o valor para uma empresa. O valor
contábil de liquidação a valores de saída jamais seria usado numa transação,
pelo simples fato de que é o fluxo de caixa proporcionado por uma empresa que
lhe dá e propicia valor. Captura-se no fluxo de caixa descontado o real valor
da empresa com seu goodwill.
Em alguns métodos, para obtenção
do valor do goodwill, a “projeção de dados” é parte-se da média aritmética
anual das rubricas contábeis corrigidas. Aplica-se uma taxa de 6% sobre a média
dos ativos operacionais. Encontra-se o que se denomina lucro normal, compara-se
com outra média de lucro efetivamente ocorrido. A diferença entre esta nova
média e o lucro normal, é o lucro anormal. Do lucro anormal, calcula-se uma
perpetuidade a 12% e pronto, tem-se o valor do Goodwill.
Esta simplicidade conforta, não
provoca dúvida e não “assusta”. É segura e não há como encontrar “relevante
prognose”. Todos estes cálculos são efetuados pelos peritos para quaisquer
tipos de empresas, em qualquer ramo de negócio, em qualquer regime tributário e
na grande maioria dos processos, com as mesmas taxas de 6% e 12%.
Tecnicamente, esta forma de
atribuição de valor, não faz o menor sentido. Cada empresa possui
características próprias, capturadas no fluxo de caixa, sejam micros, pequenas,
médias ou de grande porte.
Atribuir valor, apurar haveres
não é uma tarefa simples. Há custos para administrar os ativos, há custos para
os capitais de terceiros e há custos para os capitais próprios. Tais custos necessitam
ser recuperados com taxas que precisam refletir a liquidez, a rentabilidade e os
riscos esperados e há sim, técnicas para medição as quais, o método do fluxo de
caixa descontado é capaz de mensurar com grau de razoabilidade maior que os
demais métodos.
O custo de capital próprio de uma
empresa é, para o investidor, tecnicamente, sua taxa de retorno e, por óbvio,
não deve ser menor que a taxa livre de risco da Economia. Se menor, qualquer
investidor racional, buscará uma taxa sem risco, a qual, em tese é oferecida nos
papeis públicos.
Para qualquer tipo de empresa, um
custo de capital próprio muito baixo pode não estar considerando a existência
de riscos sistemáticos e assistemáticos. Vale lembrar que somente a taxa livre
de risco no Brasil, em média, por exemplo, no ano de 2024, estava acumulada em
10,88%. O prêmio para se correr o risco de possuir uma empresa precisa
“retornar” pelo menos a taxa livre de risco.
O retorno do ativo operacional
médio, em alguns métodos, é também arbitrado em 6%, é como admitir que perpetuamente
uma empresa de qualquer ramo apresentará um retorno de 6% sobre seus ativos
operacionais médios corrigidos dos últimos 5 anos.
Há métodos que consideram, por
exemplo, taxas de perpetuidade arbitrárias de 12%. Uma taxa de perpetuidade, utilizada
como taxa de desconto, deveria representar o custo médio ponderado de capitais
(uma ponderação de diversos fatores econômico-financeiros)
A aplicação do método de fluxo de
caixa descontado, considera e argumenta em relatório próprio os conceitos e o
porquê do uso das percentagens utilizadas para as taxas médias de crescimento
de vendas, taxas de perpetuidade, custo de capital próprio, custo de capitais
de terceiros, custo médio ponderado de capitais, a taxa de livre de risco, o
prêmio pelo risco corrido, a unidade que caracteriza o risco sistemático que
todas as empresas correm, conhecido como Beta, o custo Brasil, o horizonte
temporal dos eventos, a necessidade de capital de giro, as taxa de aplicação e captação
de recursos.
Por todos os motivos mencionados,
alterar ou incluir cláusulas protetivas que estabeleçam de forma discriminada, métodos
de avaliação e a forma de pagamento em contratos sociais para o caso de
dissidência ou falecimento dos sócios, pode eliminar muitos problemas futuros.
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