quinta-feira, 14 de janeiro de 2021

A indiferença da classe contábil com o sistema CFC/CRC: O paradoxo da dependência.

No Brasil, do início de 2015, até o final de 2019, exatos 268.654 bacharéis concluíram o curso de Ciências Contábeis[1], portanto, aptos para o exercício da profissão, restando ainda a aprovação no exame de suficiência e o registro regular no sistema Conselho Federal de Contabilidade/Conselho Regional de Contabilidade (CFC/CRC)

No mesmo período, foram aprovados no Exame de Suficiência 126.556 bacharéis [1]. Contudo, no Brasil, para exercer legalmente a profissão contábil, é preciso (1) Ser Bacharel em Ciências Contábeis; (2) Ser aprovado no Exame de Suficiência; (3) Obter o registro no sistema CFC/CRC e (4) pagar um tributo, nominado anuidade.

Interessante notar que, no período mencionado houve um acréscimo de apenas 19.041 registros no sistema CFC/CRC(s). Ora, o mercado recebe, entre 2015 e 2019, 269 mil bacharéis, dos quais, 47% cumprem o procedimento legal, anacrônico, mas legal, que é o exame de suficiência, contudo, no cadastro geral do sistema CFC/CRC há um acréscimo de apenas 19 mil Contadores[2].

Não, não foram somente as baixas de registro, por idade, por morte etc, o motivo para que, no período de 2015 a 2019, dos 126 mil aprovados, tenha havido um acréscimo de somente 19 mil Contadores no sistema CFC/CRC. Há, certamente, vários outros motivos, talvez os mesmos que possam explicar o porquê da diferença, no mesmo período, entre a quantidade de bacharéis que colaram grau e estão aptos a fazer o exame de suficiência, mas que não prestaram o  tal exame. Mencionada diferença é de cerca de 143 mil Contadores (diferença entre 269 mil bacharéis concluintes e 126 mil bacharéis aprovados

Onde está este contingente enorme de Contadores formados? Creio mesmo que podemos chamá-los de "descamisados" da Contabilidade. 

Os "descamisados", em maioria jovens, que cursaram Instituições de Ensino Superior e prestaram, no mínimo, 16 provas (exames) na graduação e pelo menos um exame do ENADE e somente poderão ser considerados profissionais da Contabilidade, se prestarem mais um exame, onde, em tese, adquirirão "suficiência" para o exercício da profissão contábil. Perceberam o anacronismo de mais um exame que apenas prova que o bacharel fez (mais uma) prova?

 

Importa agora refletirmos sobre os motivos para haver "descamisados" e os "fora da lei". Sim, ilegais, porquanto, pelas regras atuais, são aqueles que exercem atividades contábeis, mas que não possuem o registro legal, porquanto transgridem o decreto-lei 9295/46 e Lei 1289/10. Alguns motivos prováveis para não haver registro regular no sistema CFC/CRC:

  • ·       Evasão por reprovação no exame de suficiência;
  • ·       Anuidades com preços considerados elevados, sendo o bacharel aprovado ou não no exame de suficiência;
  • ·       Falta de campanhas dos CRC(s) e CFC sobre flexibilização do valor das anuidades. Por exemplo, anuidade com preço menor para o bacharel novo entrante.
  • ·    Convênios dos CRC(s) com instituição de ensino superior (IES), oportunizando palestras, encontros e visitas de modo a incutir a necessidade de haver representação para defender efetivamente os interesses da classe contábil;
  • ·       As novas tecnologias, as plataformas digitais, as inteligências artificiais etc, as quais reduziram em muito a necessidade de mão de obra especializada (com conhecimento contábil) nos escritórios e nas empresas;
  • ·       O subemprego que grassa na área contábil;
  • ·       Não percepção por parte do bacharel sobre a necessidade de haver uma entidade para representá-los;
  • ·       A percepção de muitas exigências que não "ajudam" em nada o profissional.

Os bacharéis, neste estudo lembrados, aprovados ou não no exame de suficiência, por algum ou alguns dos motivos expostos, não estão no sistema CFC/CRC, mas há profissionais que, paradoxalmente, estão "dentro" do sistema CFC/CRC e possuem percepções muito semelhantes às do bacharel entrante, Percebem e entendem que, se o sistema CFC/CRC não existisse, não iria fazer falta alguma. Óbvio que esta percepção é um equívoco.

Conselhos profissionais existem para representar a classe. Há pessoas nos Conselhos e, tais pessoas, foram eleitas pela própria classe. Daí a necessidade de você entrar para representar e defender sua classe e também proteger a sociedade dos maus profissionais. Você precisa participar, precisa influenciar, precisa interagir, precisa apontar onde estão os problemas e, em conjunto, buscar as soluções, com a lei, com a ordem e fundamentalmente com a democracia.

Nossa profissão está mudando, como todas as demais profissões e vai precisar de você bacharel entrante ou não no sistema CFC/CRC e de todos os demais profissionais. Não se iluda, é com participação política, não no sentido pejorativo da expressão "política", mas no sentido de algo que tem a ver com organização, a direção, a administração e a participação para o bem comum. Você acha que o CFC/CRC é ruim? Não serve para nada? Pois saiba que alguém vai dirigi-lo. Por que não você? Democraticamente, retire quem você não gosta, no voto, isso mesmo, com a democracia, com a liberdade de expressão, com suas ideias. Após se convencer, convença seus amigos e venha "para a chuva", venha ser telhado, pois atirar pedras é muito fácil e simples. Quer mudanças? Mude você, participando. Decida seu futuro, pois o sistema CFC/CRC não vai acabar e alguém vai decidir por você e este alguém vai "ganhar" no voto.

Por anos, a ciência contábil foi tratada apenas como um processo para haver registros e, concomitantemente, um razoável controle do patrimônio da entidade, fosse essa entidade com ou sem fins lucrativos. O Brasil, desde 2008, converge, harmoniza para uma Contabilidade tratada realmente como ciência, onde a tomada de decisão para elevar, proteger e maximizar o patrimônio é o que realmente interessa.

As decisões sobre o patrimônio sempre foram pautadas no que o legislador preconizava. Regras, nome simples para o que se convencionou pomposamente chamar de "code law". Se o Estado definisse era assim que se fazia, pouco importava o que estava acontecendo com o patrimônio das empresas.

Sendo apenas cumpridores de leis, normas e regras nos transformamos em meros cumpridores de obrigações acessórias, num país, como o Brasil, atolado de burocracias burras que nos tomam grande parte do tempo útil que poderia ser utilizado para entender o patrimônio das empresas e buscar as melhoras alternativas de prazos, de liquidez, de break even points, de capital de giro, enfim, de melhores operações para maximizar o retorno dos empresários.

No passado, se vissemos o Balanço Patrimonial das Cias aéreas, não iríamos encontrar um único avião no Imobilizado daquelas empresas, mas havia vários "voando" pelos céus do Brasil. Era um tal de arrendamento (aluguel) que a lei, que a regra, que o "code law" "diziam" que era aluguel e, como aluguel era tratado, mas na verdade se embutia ali um financiamento e o risco sobre o avião era todo da Cia área. Nessa época, a contabilidade brasileira entendia que a forma jurídica (o código, a lei) era um aluguel, ainda que, em essência, havia mesmo era um financiamento.

Mais: temos um sistema tributário onde há casos, que existem mais exceções do que regras, está aí o PIS/COFINS que não nos deixa mentir. É MEI, Simples, Presumido, Real e tome de obrigações fiscais, federais, estaduais e municipais para qualquer regime. O que o Contador se tornou? Ainda um seguidor de normas fiscais apenas. Um "apertador da tecla enter do seu PC". Um seguidor de regras e mais regras...

Há um verdadeiro exército de brasileiros, bacharéis em ciências contábeis não exercendo a profissão contábil ou a exercendo de forma irregular. Não votam, não exercem pressão para as mudanças, não participam de decisões, não podem se candidatar. São “bacharéis-zumbis”, a vagar na área contábil sem o exercício da plena e necessária cidadania classista para o engrandecimento da ciência contábil, da classe contábil e da profissão contábil. Nesta ordem. A maioria já formados com uma Contabilidade digamos, semi harmonizada, mas que para a classe nada podem fazer, posto que encontram-se irregulares.

Participo de vários grupos em mídias sociais, e, o que leio naqueles grupos? Reclamações sobre o alto valor das anuidades, sobre a cobrança de anuidade, tanto para o profissional e concomitantemente ao escritório, sobre os leigos exercendo indevidamente a profissão contábil, sobre o sistema das eleições por chapas nos CRC(s), onde as “dinastias se perpetuam”. Eleições absolutamente indiretas  no CFC, onde se elege um delegado que será o eleitor para este delegado eleger um Conselheiro Federal. Ouço e leio mais: Sobre a ineficiência da fiscalização do sistema CFC/CRC(s); sobre os altos valores de viagens e diárias dos Conselheiros, sobre as aplicações financeiras elevadas dos CRC(s) e CFC. Sobre a burocracia, sobre as horas trabalhadas, sobre o excesso de multas e etc.

Mas... na maioria dos Estados, o que se vê, ao longo dos anos, “as oposições” sempre perdem. Aliás, na maioria dos Estados, somente há chapa única, ou seja, a chapa do poder, a chapa da situação. E aquele que reclama, continuará reclamando, porque não participou, votou em branco, votou nulo ou não votou (no Rio de Janeiro, a soma de quem vota em branco, vota nulo ou não vota supera a marca de 50% dos registros). É muita coisa. Há motivos para acreditarmos que estes números se repetem em maior ou menor escalas nos demais estados. As dinastias, que se perpetuam nos CRC(s) e CFC agradecem penhoradas.

Há ainda que considerarmos que os profissionais registrados no sistema CFC/CRC(s) absolutamente desconhecem as funções delegadas aos CRC(s) e o papel do CFC. Saibam que regionalmente os CRC(s) operacionalizam o registro e a fiscalização e promovem treinamento para os profissionais. Mais nada. Não mudam legislação ordinária alguma sobre a ciência contábil, sobre o exercício da profissão, sobre as eleições para os conselhos etc, não mudam, mas podem fazer pressão e propor ao parlamento brasileiro as mudanças. Há muitos regabofes para os patrocinadores apresentam seus produtos, há farta distribuição de medalhas e moções, exatamente como vereadores que dão nomes a logradouros. Ah! Há também muitos discursos recheados de platitudes e de lugares comum, principalmente nos regabofes.

Algum Contador ou Técnico em Contabilidade do Brasil já indagou sobre o porquê de o sistema, ao longo dos anos, manter recursos tão elevados aplicados no mercado financeiro e não com a classe contábil? Claro que deve haver algum motivo e você Contador e Técnico, que sustenta este sistema, tem o direito de saber e entender estes “porquês”. Certamente você pode ou não concordar com as respostas, mas sem dúvida, como principal pagante, tem o direito de saber e decidir sobre o destino dos recursos que você aporta junto ao sistema com o nome técnico de anuidade.

Por exemplo, em 2019, somente os seis maiores CRC(s) do Brasil, os quais concentram 2/3 da arrecadação do sistema, aplicaram no mercado financeiro, o valor médio mensal aproximado de R$ de 296,6 milhões [3] Acha muito? Acha pouco? Quer mudar isso? Somente participando. Somente tomando a decisão de eleger quem é ou está comprometido com a mudança que se almeja. E melhor: O candidato pode ser você mesmo.

As plenárias nos CRC(s) são públicas (quantas você já compareceu?) há ouvidorias, há portais de transparência, aliás todos os dados aqui publicados estão em tais portais. Mudanças políticas não vão acontecer em grupos de mídias sociais, mudanças políticas, nos regimes democráticos acontecem com o VOTO, com a participação da classe, nas plenárias e nos canais de comunicação estabelecidos nos sítios do sistema CFC(CRC(s). Como já enfatizamos, há ouvidoria, há portal de transparência, há democracia e liberdade de expressão para se tentar mudar alguma coisa. Quantas vezes você, que paga, que sustenta o sistema, exerceu esta cidadania?

Não duvide, a profissão contábil, como todas as profissões passa por profundas transformações e seus profissionais precisam de encaminhamento, de liderança, de debates para a construção desse futuro. Esse profissional pode ser você: Bacharel, que precisa se registrar ou profissional da Contabilidade, que sempre votou em branco, nulo ou não votou por achar que nada se resolve em Conselhos.

Muitos assuntos são resolvidos sim nos Conselhos, outros assuntos são encaminhados pelos Conselhos, entretanto até para serem encaminhados, há necessidade de sua participação.

Qualquer líder propõe mudanças e as conduz. Na classe contábil não é diferente. Você, Contador ou Técnico em Contabilidade "é o cara". Você, Bacharel em Contabilidade, registre-se, participe e venha também propor as alterações que você entende como necessárias para a classe;

Não é crível que, mesmo com as novas tecnologias, tenhamos que viver e conviver com este excesso de burocracia, de impostos e encargos elevados, de multas exorbitantes e este absurdo excesso de obrigações fiscais e acessórias. Creia, você será sempre parte disso tudo. Por ação ou por omissão.

[1] Fonte: http://portal.inep.gov.br. Acesso em 09.12.2020  e www.cfc.org.br. Acesso em 30.04.2020

[2] Fonte: https://cfc.org.br/registro/quantos-somos-2/ Acessado em 08.03.2020

[3] Fonte 3.1: www.cfc.org.br - Relatórios de Gestão. Valores aproximados. Dados Acessados em diversas datas Fórmula utilizada: [Rec.Financeiras/(0,95 x Taxa CDI)]

  Fonte 3.2: http://www.portalbrasil.net/indices_cdi.htm - acessado em diversas datas - Valores aproximados. Considere 95% do CDI como taxa mínina para a remuneração dos valores investidos.

5 comentários:

  1. Preciso, cirúrgico e técnico, como sempre. Parabéns Raimundo!

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  2. Parabéns pelo relato dos dados, con objetividade e abrangência do assunto. É um absurdo o valor cobrado, considerando os gastos necessários. Deveria ser cobrado menor valor e, os CRCs deficitários (menor quantidade de profissionais) serem subsidiados pelos superavitários (maior quantidade de profissionais)

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  3. É precisamos de mais participação, tanto dos mais jovens, quanto dos mais velhos. Há verdadeiras dinastias no sistema que não "largam o osso". Precisamos de ideias novas e novos procedimentos.

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  4. Caro Raimundo, você listou várias razões pelas quais muitos bacharéis criticam os CRCs/CFCs,mas, ao final, culpou esses mesmos bacharéis por não fazerem nada. Só queria dizer que: esse ano que passou, após muitos de nós nos prepararmos,o exame de suficiência não aconteceu! Só soubemos na hora, os sistemas não funcionaram. A Consulplan, organizadora do exame, alegou um ataque virtual, estranhamente os sites voltaram a funcionar horas depois de marcada a prova, talvez tenha sido isso mesmo, mas talvez tenha sido a incapacidade operacional do sistema. Consulplan e CFC demoraram a se manifestar e, depois, reagendaram a prova (antes online) para presencial, prejudicando uma par de bacharéis que haviam se preparado, e que agora terão de se reorganizar em pouco tempo pra fazer o exame presencial durante uma pandemia. Cito esse caso pra exemplificar que, se nem mesmo conseguimos fazer o exame que daria possibilidades de nos associarmos à categoria, como poderíamos garantir a melhora da atuação dos conselhos? Lamento a sua leitura, a culpa não é nossa.

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    1. Caro Rsgz, Na verdade, o que tentei expor foi que somente com participação, inclusive do Bacharel, não registrado, é que há uma possibilidade maior de que o "status quo" se modifique. É verdade que as "dinastias se perpetuam" porque são votadas, é verdade que nas plenárias públicas, não há platéia, não há pressão. O Sistema CFC/CRC criou leis que precisam sim ser modificadas, mas há que haver mais participação dos bacharéis na pressão juntos ao CFC e CRC(s) de seus Estados. Sou professor desde 1986 e sei que o exame importante em nossas vidas é o "sr. mercado" que aplica. Eu não tenho respostas, eu apenas acredito firmemente que, para mudar, precisamos pressionar, na forma da lei, e eleger pessoas comprometidas com o que acredito, inclusive eleições no sistema CFC/CRC. Leis podem ser modificadas e somente serão modificadas com participação de todos. Obrigado pelo seu gentil comentário e tenha em mim um legalista que acredita na democracia.

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