sábado, 3 de julho de 2021

Onde está o equilíbrio orçamentário em se promover arrecadações em excesso e direcionadas para o mercado financeiro? O caso do sistema CFC/CRC(s).

 Por Raimundo Aben Athar


Do valor total da anuidade, cobrada dos profissionais da Contabilidade e dos Escritórios de Contabilidade, 80% permanece no Conselho Regional de Contabilidade - CRC(s) do estado onde foi arrecadada e 20% são imediatamente remetidos para Brasília, para o Conselho Federal de Contabilidade - CFC. 

Ao longo de anos, mesmo os CRC(s) operando com 80% do que arrecadam, e o CFC, com os 20% restantes, todos os 27 CRC(s) do Brasil e o CFC, obtêm expressivos superávits orçamentários e, ano a ano, como os recursos não são direcionados para a classe contábil, surgem, em primeiro lugar, as "sobras orçamentárias", com o pomposo nome de superávits de execução, cujos totais, em segundo lugar,  vão "parar", em vultosas aplicações financeiras de curto prazo, junto a bancos do governo.

O quadro 1, a seguir, ilustra, desde 2014 até 2020, a evolução da arrecadação dos seis maiores CRC(s). São seis estados que concentram 82,77% de todos os profissionais da Contabilidade, registrados no Brasil (dados de 2020). Os valores arrecadados, pelos seis maiores CRC(s), representam 67% do total arrecadado com as anuidades de profissionais e das empresas contábeis. Quer dizer, a maioria, ou 21 CRC(s), arrecadam 33% do orçamento do sistema CFC/CRC(s) e representam apenas 17,23% de todos os profissionais registrados em 2020 no Conselho Federal de Contabilidade. Com mais uma curiosidade, não menos significativa, o estado de São Paulo, sozinho, registra quase 30% dos profissionais da Contabilidade de todo o Brasil e entre 2019 e 2020, no total, São Paulo remeteu para o CFC a quantia aproximada de R$ 31,2 milhões.

          Quadro 1


 O quadro 2, a seguir, é bastante esclarecedor, no que concerne à conclusão sobre excesso de valor embutido na anuidade cobrada da classe contábil. A análise é muito óbvia, os superávits recorrentes, aplicados no mercado financeiro e não com a classe contábil, sugerem, como veremos ao longo deste trabalho, anuidades que elevam as receitas em proporções que permitem sobras. 

O valor médio aplicado mensalmente pelo CFC e os seis maiores CRC(s) em arrecadação, por exemplo, em 2019 e 2020, enfatizo, mensalmente, foram de R$ 295,7 milhões e R$ 349,1 milhões respectivamente.

            Quadro 2


O principal motivo para haver vultosas aplicações no mercado financeiro, decorre da condição de que os conselhos regionais e o conselho federal de Contabilidade, ao longo de anos, apresentam vultosos superávits de execução nos seus respectivos orçamentos, contudo, tais excessos não são destinados ou consumidos com a classe contábil, visando principalmente o cumprimento das atribuições legais estabelecidas no artigo 10 da lei 9295 de 1947, em especial a alínea "c" daquele artigo, que trata da principal atribuição dos conselhos de contabilidade ou seja, fiscalizar o exercício da profissão contábil, impedir e punir as infrações e enviar para as autoridades competentes documentação sobre os fatos apurados e cuja solução não seja da alçada dos conselhos. Tais "sobras orçamentárias" são direcionadas para o mercado financeiro.

É consenso, em administração pública que os superávits correntes, propiciam muitas oportunidades de consumo de recursos, por exemplo, em gastos de capital (investimentos e inversões financeiras), todavia, se tais gastos de capital, ao longo dos anos, tivessem realmente ocorrido, a taxa de crescimento das aplicações financeiras, incluídas na rubrica Caixa e Equivalentes dos demonstrativos contábeis, por exemplo do CFC, quadro 3 a seguir, seria infinitamente menor que as taxas de crescimento dos superávits totais de execução, no período de 2010 a 2020.

Quando comparamos a evolução dos valores dos superávits de execução e os valores abrigados na rubrica "Caixa e Equivalentes" (em suprema maioria, aplicações financeiras), nota-se que tal rubrica Caixa e Equivalentes se eleva anualmente em 19,7%, desde 2010 até 2020 (quadro 3). No mesmo período, a formação de superávits de execução se eleva, também anualmente em 14,2%. 

A elevação anual do superávit de execução, "engorda" as aplicações financeiras de cada ano e assim ano a ano vai sendo realimentada pelos valores do "novo" superávit. Dessa forma, de superávit em superávit, aplicado no mercado financeiro, chegou-se ao ano de 2020, o ano da pandemia, com R$ 116,0 milhões de Caixa e Equivalentes em 31.12, tendo aplicado o CFC no mercado financeiro, em média, em cada mês do ano de 2020, o valor de R$ 95,5 milhões. Vê-se, de forma cabal, portanto, que o “destino” dos superávits orçamentários realmente não é a classe contábil.

   Quadro 3


Os superávits de execução corrente, podem ser oriundos ou de excesso de arrecadação ou de economia orçamentária. A economia orçamentária possui alguns limites operacionais e temporais, devido à estabilidade e perenidade de algumas despesas, há, portanto, um limite para as operações não sofrerem solução de continuidade. A principal dessas despesas, é a despesa com pessoal (salários, encargos e benefícios), mas também os demais custeios. Na linha do tempo, atingido tais limites, a economia orçamentária tenderá a não obter mais valores significativos.

Se não é a economia orçamentária, o motivo dos superávits, não resta dúvida, é o excesso de arrecadação. Os valores dos superávits correntes de execução são realmente bastante significativos, sendo estes superávits, como já afirmamos, os motivos para as aplicações de recursos no mercado financeiro. 

Os quadros 4 e 5, a seguir, deixam claro, a relevância dos valores excedidos na execução corrente orçamentária. Vejamos o que ocorreu somente nos anos de 2019 e 2020, nos 27 CRC(s) e no CFC.

Quadro 4

No CFC, o superávit de execução é assim demonstrado:

Quadro 5


Notem que, dos R$ 293,7 milhões arrecadados em 2019, pelos 27 CRCs, R$ 32,6 milhões compuseram o superávit corrente de execução. Em 2020, dos R$ 261,2 milhões arrecadados, pelos 27 CRC(s), R$ 30,2 milhões foram reconhecidos como superávit corrente de execução.

Vimos que 20% da arrecadação dos 27 CRC(s), segundo as normas atuais, é levada para o CFC, sendo que tais 20% são tecnicamente chamados de “cota-parte” e consistem na principal receita do conselho federal. Sendo importante lembrar que os superávits apurados nos CRC(s) já consideram a remessa da chamada “cota-parte” para compor as receitas do CFC.

Somados, CRC(s) + CFC, os superávits correntes de execução, em 2019 e 2020, importam em R$ 50,3 milhões e R$ 48,0 milhões respectivamente. 

Bem, havendo excesso de arrecadação, haverá a geração de superávit corrente, o qual poderá gerar investimentos e inversões financeiras no sistema. 

As aplicações financeiras em valores tão significativos, não nos permitem concluir que esteja havendo despesas de capital em valores expressivos. Há, isto sim, em valores significativos, alguns empréstimos efetuados pelo CFC para os CRC(s) para, por exemplo, construção de sedes, entretanto, não devem ser considerados inversões financeiras, são, na verdade, um jogo de soma zero, ou quase isso, pois os empréstimos são despesas de capital no CFC e receitas de capital nos CRC. Quando os juros e o principal são pagos pelos CRC(s), há despesas de capital nos CRC(s) e receitas de capital no CFC. Claramente, um jogo de praticamente soma zero, pois os juros são receitas correntes.

É preciso enfatizar e esclarecer que as despesas do CFC, abrigadas em “transferências de capital”, estas sim, produziriam um resultado positivo, em termos efetivos, nos CRC(s). 

O argumento de que a anuidade está elevada, é direto e objetivo. A lógica é linear: Há sobras não aplicadas, mesmo operando, como já enfatizamos, os CRC(s) com 80% do que arrecadam e ainda assim, há aplicações de grande valor no mercado financeiro.

Onde está o equilíbrio orçamentário em se promover arrecadações em excesso e direcionadas para o mercado financeiro?

A solução do problema, do excesso de arrecadação e anuidades elevadas, passa pela redução do valor da anuidade, contudo, será necessário um período, talvez de duas administrações, para haver um reagrupamento, um realinhamento de receitas e despesas, ano a ano por parte de todo o sistema CFC/CRC(s). 

A arrecadação elevada, além de proporcionar "sobras" em aplicações financeiras, proporciona também excessos nas despesas com pessoal, vejam o exemplo, no Conselho Regional do estado do Rio de Janeiro – CRCRJ, as despesas com pessoal representaram, em 2020, exatamente 73,0% da arrecadação, pelo critério mais conservador, logo relativamente, de cada R$ 1,00, arrecadado no CRCRJ, sobram somente R$ 0,27 para aplicar com a classe contábil. Ainda assim, o CRCRJ manteve aplicado mensalmente em média, no ano de 2020, o ano da pandemia, o valor de R$ 11,9 milhões. 

É bom que todos os CRC(s) façam essa mesma conta, porque em algum momento, esta situação pode se tornar insustentável e repercutir em toda a classe contábil.