O sistema CFC/CRC(s) é um sorvete que derrete ante o inclemente sol provocado pela indiferença da classe contábil.
Por Raimundo Aben Athar
Parece heresia o título
deste ensaio, mas é apenas uma constatação. Aos fatos:
No Brasil, do início de
2015, até dezembro de 2019, 270.824 brasileiros concluíram o curso de Ciências
Contábeis[1], em tese, bacharéis e, portanto,
aptos a exercerem legalmente a profissão, desde que, aprovados no chamado Exame
de Suficiência, conforme preconiza o art. 12 do Decreto-Lei 9295/1946, alterado
pela Lei 12.249 de 2010.
Em dezembro de 2015, no
sistema CFC/CRC(s)[2],
havia 334.675 Contadores e 197.390 Técnicos em Contabilidade registrados,
perfazendo assim, um total de 532.065 profissionais de Contabilidade,
distribuídos pelos 27 Estados da federação brasileira.
Em dezembro de 2019,
havia 353.716 Contadores e 164.861 Técnicos em Contabilidade. Entre registros e
baixas, a categoria de Contador, teve uma elevação líquida, neste lustro, da
ordem de 19.041 Contadores, todavia, a categoria de Técnicos em Contabilidade
teve uma diminuição líquida de 26.349 registros. Assim, o ano de 2019 termina
com 518.577 registros ativos, mesmo tendo havido entre 2015 e 2019, 270.824
potenciais novos entrantes. Valendo lembrar, que o último ano de “entrada” de
Técnicos em Contabilidade ocorreu no ano de 2015. A partir deste ano haverá somente
baixas de Técnicos de Contabilidade.
Ainda no mesmo
quinquênio, com dois concursos por ano e, com média semestral de ínfimos 31,8%
de aprovação, somente 126.586 bacharéis foram aprovados e, por portanto, estiveram
aptos ao registro no sistema CFC/CRC(s), conforme o citado art. 12 do
Decreto-lei 9295/1946, a seguir, reproduzido.
"Art. 12. Os profissionais a que se refere este Decreto-Lei somente poderão exercer a profissão após a regular conclusão do curso de Bacharelado em Ciências Contábeis, reconhecido pelo Ministério da Educação, aprovação em Exame de Suficiência e registro no Conselho Regional de Contabilidade a que estiverem sujeitos. (Redação dada pela Lei nº 12.249, de 2010)".
Triste constatar que, destes 126.586
Contadores, aprovados no Exame de Suficiência, entre 2015 e 2019, em termos
líquidos (entradas menos baixas) somente 19.041 registraram-se no sistema
CFC/CRC(s). Não é crível admitirmos que houve 107.545 baixas de registros
ativos somente na categoria Contadores. Deduz-se portanto que vários aprovados,
preferiram não se registrar no sistema.
No Rio de Janeiro, não é diferente o quadro.
Houve 9.229 aprovações no exame de suficiência entre 2015 e 2019 e uma queda
líquida de 3.426 registros ativos. Com 31.418 concluintes no mesmo período.
Voltando ao nível
Brasil, podemos concluir que 144.238 concluintes (270.824 concluintes – 126.586
aprovados) do curso de Ciências Contábeis, sequer prestaram o exame, tendo
somente colado o grau de bacharel. Reparem que, neste caso, o sorvete, não
derreteu. Na verdade, nem chegou a ser feito.
Num ou noutro caso há
um verdadeiro exército de brasileiros, bacharéis em ciências contábeis não exercendo a profissão contábil ou a
exercendo de forma irregular. Não votam, não participam de decisões, não podem
se candidatar. São “bacharéis-zumbis” a vagarem na área contábil sem o
exercício da plena e necessária cidadania classista para o engrandecimento da
ciência contábil, da classe contábil e da profissão contábil. Nesta ordem.
Quais são os motivos
para este “derretimento”? Há vários motivos no horizonte, vejamos alguns: a
crise de emprego, provocada não só pela ausência de vagas, mas também e,
acredito, principalmente, pela inclusão de novas tecnologias na área contábil,
onde o cumprimento de obrigações acessórias, fiscais e trabalhistas, deixa de
ser manual e passa a ser sistêmica. Inúmeros aplicativos com inovações “terrivelmente”
práticas e... menos custosas.
Alguém já leu ou ouviu
uma empresa anunciando que “faz Contabilidade a R$ 50,00”? Em primeiro lugar,
tal empresa, nem de longe, “faz Contabilidade”, a empresa apenas cumpre de
forma mais ágil algumas obrigações e, em alguns casos, cálculos sobre folha de
pagamento. E desde quando essas obrigações e folha de pagamento podem ser
consideradas Contabilidade? Desde quando abrir e fechar empresas é
Contabilidade, desde quando fazer IRPF é Contabilidade? Não é. Mas a
empregabilidade de grande parte dos profissionais e escritórios que também efetivamente
fazem Contabilidade, dependem destas obrigações acessórias, destes fechamentos
e aberturas de empresas, de março a abril, do IRPF, das folhas de pagamento e
etc.
Nossa profissão é tão
rica, tão rica, que até para cumprirmos tarefas que nada têm a ver com a
ciência contábil, somos chamados a cumprir e nos pagam por isso, mas o
profissional precisa se dar conta de que “o tempo” da obrigações acessórias, da
folha, do IRPF, está se modificando com motores muito potentes, enquanto que alguns
profissionais se adaptam a passos de cágado. Por este descompasso, certamente
estão desesperados e esperam uma “salvação”. Mas como, dado que é impossível
deter a evolução tecnológica? Resposta óbvia: Adaptando-se ao mercado, às
tecnologias, enfim, às regras do jogo. Sem dúvida, um lapso de cultura, que precisa urgente de adaptação, um choque
enorme e, não agindo, tais profissionais, não adaptados, serão alijados do
mercado. É aqui que entra a participação dos profissionais nos CRC(s), nos
Sindicatos, nos Sescon(s). É aqui que entra a atividade classista, é aqui que
entra a colaboração do sistema, que é quem pode e tem recursos para ajudar nesta inexorável condição
de que as novas tecnologias vêm para ficar e elas (as novas tecnologias), são
como tsunamis, devastam mesmo e, se não morrermos, por um tempo, estupefatos
ficamos e, como sobreviventes precisamos reconstruir nossos ambientes, nossos
mercados, nossos estudos... Nada mais atual: “A única constante é a mudança”
[Heraclito de Efeso].
Participo de vários
grupos em mídias sociais, o que leio naqueles grupos? Reclamações sobre o alto
valor das anuidades, sobre a cobrança de anuidade tanto ao profissional e
concomitantemente ao escritório, sobre os leigos exercendo indevidamente a
profissão contábil, sobre o sistema das eleições por chapas nos CRC(s), onde as
“dinastias se perpetuam” e, absolutamente indiretas no CFC, onde se elege um delegado que será o
eleitor para se eleger um Conselheiro Federal. Mais: sobre a ineficiência da
fiscalização do sistema CFC/CRC(s); sobre os altos valores de viagens e diárias
dos Conselheiros, sobre as aplicações financeiras elevadas dos CRC(s) e CFC e
várias outras reclamações. Mas... na maioria dos Estados, o que se vê, ao longo
dos anos, “as oposições” sempre perdem. Aliás, na maioria dos Estados, somente
há chapa única, ou seja, a chapa do poder, a chapa da situação.
Há ainda que
considerarmos que os profissionais registrados no sistema CFC/CRC(s) absolutamente
desconhecem as funções delegadas aos CRC(s) e o papel do CFC. Saibam que
regionalmente os CRC(s) operacionalizam o registro e a fiscalização e
eventualmente promovem cursos para os profissionais. Mais nada. Não mudam
legislação alguma sobre a Contabilidade, Não mudam legislação alguma sobre o
exercício da profissão, não podem desobedecer, por lei, as regras emanadas do
CFC e, num certo sentido, apenas referendam as decisões emanadas do CFC.
Reparem nos seguintes
dados: Em 2016, segundo o TCU, em média, apenas 7,4% da arrecadação do sistema
CFC/CRC(s) foi destinada à fiscalização. Em 2018, do total arrecadado, segundo cálculos,
obtidos somente nos 06 maiores CRC(s) em arrecadação de anuidades, cerca de 70%
do total arrecadado pelo sistema (SP, MG, RJ, PR, RS e SC) e com o uso somente
dos respectivos “portais da transparência”, foram destinados, em média, 8,6%
para a fiscalização do profissional contábil e, sabemos todos a fiscalização, é
o objetivo maior de qualquer Conselho que regulamenta uma profissão. É, como
difundido: A fiscalização do profissional contábil é um serviço de utilidade
pública, sendo esta fiscalização a maior prestação de serviço que o sistema
CFC/CRC(s) cumpre para a sociedade brasileira.
Em 2018, em média,
estamos “falando” de cerca de R$ 262,5 milhões arrecadados da classe contábil,
dos quais, 20% foram imediatamente direcionados para o CFC e, portanto, 80%
permanecem nos CRC(s). Em 2019, em média, a arrecadação do sistema, antes do repasse ao
CFC, se eleva para R$ 273,5 milhões. Um crescimento de 4,2% entre 2018 e 2019.
Em 2018, somente o CFC
e os seis maiores CRC(s) do Brasil aplicaram no mercado financeiro[3], em média mensal, vou
repetir: em média mensal, o valor de R$ 155,0 milhões. Em 2019, o CFC e os 06
maiores CRC(s) aplicaram em média mensal R$ 367,5 milhões. 137,1% de aumento na
média das aplicações no mercado financeiro. Evidente que tal poupança vem de
anos, não se originou de uma hora para outra. Por qual motivo ou motivos veio
sendo feita?
Algum Contador ou
Técnico em Contabilidade do Brasil já indagou sobre o porquê de o sistema
manter recursos financeiros tão elevados aplicados no mercado financeiro e não
com a classe contábil? Claro que deve haver algum motivo e você Contador e
Técnico, que sustenta este sistema, tem o direito de saber e entender estes
“porquês”. Certamente você pode ou não concordar com as respostas, mas sem
dúvida, como principal pagante, tem o direito de saber e decidir sobre o
destino dos recursos que você aporta junto ao sistema.
As plenárias nos CRC(s) são públicas (quantas você
já compareceu?) há ouvidorias, há portais de transparência, aliás todos os
dados aqui publicados estão em tais portais. Mudanças políticas não acontecem
em grupos de mídias sociais, mudanças acontecem, em quaisquer democracias, com
o VOTO, na participação da classe, nas plenárias e nos canais de comunicação
estabelecidos nos sítios do sistema CFC(CRC(s). Há ouvidoria, há portal de
transparência, há democracia e liberdade de expressão para se tentar mudar
alguma coisa. Quantas vezes você, que paga, que sustenta o sistema, exerceu
esta cidadania?
Vamos, se candidate,
quando houver eleição. Vamos, indague ao Conselheiro que você votou sobre a
visão dele sobre o sistema CFC/CRC(s). Não duvide, sem participação, sem
estratégia, somente com esperança nada modificamos. Se é que você profissional
de Contabilidade quer que algo se modifique. Se deseja mudança, o caminho é a
participação política.
Pode ser que você seja um
dos 516.022 profissionais com registros ativos, em março de 2020[4]. Em dezembro de 2019
éramos 518.577 profissionais com registros ativos. Viram como o derretimento da
classe contábil vem sendo rápido? Em menos de três meses, 2.555 profissionais,
entre baixas e entradas, deixaram o sistema.
Pense mais: Você já
reparou quantos colegas que eram de Sescon(s) e Sindicatos voltaram a
participar dos CRC(s)? Claro, naquelas entidades não há mais obrigatoriedade de
anuidades/mensalidades/descontos obrigatórios e, como os profissionais
particulares e os profissionais, proprietários de empresas contábeis, que
sustentavam, por obrigação, aquelas entidades, deixaram de fazê-lo, quando a
mensalidade/anuidade passou a ser facultativa, tais entidades ficaram sem
recursos, sem visibilidade e sem alguma representatividade.
Não duvide, a profissão
contábil, como todas as profissões passam por profundas transformações e seus
profissionais precisam de encaminhamento, de liderança, de debates para a
construção do futuro.
Um líder propõe
mudanças e as conduz. Na classe contábil não pode ser diferente.
Não é crível que, mesmo
com as novas tecnologias, tenhamos que viver e conviver com este excesso de
burocracia, aceitarmos impassíveis a submissão de apenas sermos intermediários
entre sistemas computacionais das empresas e das receitas federais, estaduais e
municipais. Nossa profissão, nossa ciência, é muito maior que isso. Como mudar?
Você se candidatando, votando e influenciando.
[1] Fonte: http://portal.inep.gov.br/web/guest/microdados
Acessado em 09.01.2020. Somente o ano de 2019 foi estimado, usando como base os
dados do próprio “portal do INEP”.
[2] Fonte: https://cfc.org.br/registro/quantos-somos-2/
Acessado em 08.03.2020
[3] Na pesquisa efetuada, não há como se determinar as taxas obtidas pelos
CRC(s) e CFC. Os valores partiram das receitas financeiras informadas nos
respectivos portais da transparência. Se os recursos foram aplicados, em média,
a 100% do CDI, as médias mensais apresentadas estão perfeitamente avaliadas. Se
admitirmos obtenção de taxas menores que 100% do CDI, as médias estarão subavaliadas,
ou seja, o valor das aplicações financeiras terá sido maior do que o valor
médio aqui informado.