quinta-feira, 25 de julho de 2019

Conselhos Profissionais: Esqueçam a PEC 108, o TCU é o que importa.


Conselhos Profissionais:
Esqueçam a PEC 108, o TCU é o que importa.

Por Raimundo Aben Athar

Introdução


Desde o anúncio da PEC 108/2019, a internet foi pontilhada de manifestações de apoio por parte dos profissionais das 68 profissões regulamentadas deste país. A proposta foi muito bem-vinda pela imensa maioria dos profissionais que exercem profissões, tais como contadores, advogados, médicos, dentistas, engenheiros e vários outros profissionais de profissões regulamentadas.
Já os dirigentes dos conselhos, em sua maioria, se manifestaram absolutamente contra a PEC 108, é claro, alegando defesa da importância e da necessidade de existência das respectivas corporações com o formato atual para as quais foram eleitos na forma da legislação vigente.
A maioria dos profissionais de profissões regulamentadas, são obrigados a se cadastrarem no respectivo conselho profissional e a pagar uma espécie de tributo, chamado de anuidade. Aludem aqueles profissionais que há aparelhamento político, anuidades elevadas e o portal de transparência, quando existe, não contém informações suficientes para se verificar como estão sendo realmente aplicados os recursos arrecadados.
Em 17.07.2019, cumprindo a liturgia de um tribunal de contas, o ministro Weder de Oliveira, na plenária do Tribunal de Contas da União - TCU[1], em plenário, repete exatamente os argumentos que os profissionais de profissões regulamentadas usaram para entender a PEC/108 como muito bem-vinda. Naquele pleno de 19.07.2019, o ministro Weder, expôs de forma cristalina uma sucessão de mazelas praticadas pelos conselhos de profissões regulamentadas que vão desde ineficiência, até corrupção, passando por uso dos conselhos para palco de ambições políticas, nepotismo etc. Vejam o vídeo (link em nota de rodapé) e tirem suas conclusões.
Importante não esquecerem que é um ministro do Tribunal de Contas da União que, em plenário, está proferindo um discurso, que se transformará em acordão com base em relatórios de auditoria de conformidade. O vídeo absolutamente não é um discurso político e, portanto, é bastante esclarecedor.
Creio, sinceramente que não será a PEC/108 o maior “problema” dos dirigentes, que defendem o "status quo" atual dos Conselhos, os quais, em profusão, desandaram a postar, nas redes sociais principalmente, argumentos sobre a “manutenção do poder de polícia” e sobre a “missão dos conselhos no que concerne à defesa da sociedade de maus profissionais”.
Assim, o lobby das corporações, capitaneadas pela maior delas – a OAB, “colocou seu exército na rua”, quer dizer no Congresso.
A meu sentir, da forma atual como está redigida, chance zero de a PEC/108 ser aprovada no parlamento brasileiro. Ocorrerão muitas modificações, muitas.
Façam as contas: Para uma PEC ser aprovada são necessários 3/5 do Congresso, isso dá 308 deputados, quase todos profissionais de profissões regulamentadas, advogados em maioria, logo, enfatizo, chance zero de aprovação da PEC/108. Muito lobby, muitas corporações agindo, influindo e infundindo os argumentos favoráveis à manutenção de conselhos como autarquias especiais ou autarquias paraestatais.
Enquanto a PEC/108 não vem, o TCU está aí, acordado, cumprindo sua função constitucional, com a lei debaixo do braço e a caneta à mão, produzindo relatórios, acórdãos e decisões, as quais alcançarão, em algum momento os conselhos profissionais, que não estiverem seguindo os manuais, as regras, as leis, etc
Há duas questões que pretendo aqui enfatizar, ambas foram mencionadas pelo ministro Weder de Oliveira na recente plenária de 17.07.2019.
Sem mencionar quais conselhos se referia o ministro, na mencionada plenária, enfatizou, entre outras questões:  o excesso de aplicações financeiras e despesas com pessoal em Conselhos.
Todos os dados que serão demonstrados a seguir, referem-se ao sistema CFC/CRC(s) e foram obtidos dos seis CRC(s) que mais arrecadam anuidades no sistema. São dados públicos e disponíveis nos respectivos portais da transparência de cada CRC e do CFC. 
Os valores médios, quando usamos os 27 CRC(s), para qualquer item orçamentário, apresentam desvios muito elevados, motivados certamente pelas significativas amplitudes e dispersões entre os valores de receitas e de despesas de todo o universo pesquisado (27 conselhos regionais). 
Por exemplo, as receitas financeiras do CRC de Roraima, em 2018, foram de R$ 34,0 mil.  O CRC de São Paulo contabilizou receitas financeiras, no mesmo ano de 2018, no total de R$ 5,2 milhões. Assim, optamos por apresentar os valores médios de receitas financeiras, aplicações financeiras e despesas com pessoal dos 06 maiores arrecadadores.
Seis conselhos regionais do Brasil concentram 70% da arrecadação total do sistema CFC/CRC(s). São eles: Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina. Estes seis estados executaram em 2018, receitas correntes (basicamente arrecadação de anuidades e anuidades em atraso) em cerca de R$ 193,0 milhões, de um total arrecadado pelo sistema, nos 27 CRC(s) de R$ 284,0 milhões. Deste total de arrecadação, 20% são imediatamente remetidos para o CFC e ainda, para os seis maiores CRC(s) em arrecadação, há o adicional de 1%, calculado sobre o total das receitas orçamentárias para a formação de um fundo de integração, conhecido como Fides.

Aplicações financeiras médias

              O sistema CFC/CRC, como qualquer entidade, pública ou privada, aplica recursos no mercado financeiro. Porém, talvez o faça de forma extremamente conservadora, posto que as receitas financeiras, que deveriam ser residuais, representaram em média, no ano de 2018, 6,16% das receitas correntes realizadas. Não é pouca coisa, estamos falando de quase R$ 12,0 milhões de receitas financeiras nos seis CRC(s) mencionados, cujos valores, é óbvio, não foram destinados à classe contábil e sim ao mercado financeiro. Mas porque “sobram” recursos para serem aplicados? É relativamente simples provar tal condição: receitas correntes executadas maiores que despesas correntes liquidadas e pagas. Como este fato acontece há vários anos é evidente que tais “sobras”, capitalizadas, se avolumam e se elevam exponencialmente. Efetivamente teremos valores expressivos que serão entesourados e, portanto, não aplicados com a classe.

              O “fenômeno”, entendido de outra forma, pode ser definido como despesas fixadas com elevadas “gorduras”, as quais, proporcionam receitas previstas de igual valor. Se a execução da receita é recorrentemente maior, a consequência é haver recursos não direcionados, porquanto superestimados na fixação, que serão destinados ao mercado financeiro.

             Há defensores desta situação, os quais, alegam vários motivos para manutenção do “excesso de gordura”, motivos estes que vão desde possíveis ações trabalhistas, à necessidade de obras estruturais nos prédios próprios, passando por outras contingências do custeio. Sem dúvida, a classe contábil precisa discutir este assunto em cada conselho regional e no conselho federal.

               O fato é que, da mesma forma que as despesas com pessoal, o assunto excesso de aplicações financeiras, é, podemos afirmar, um tabu, pois não é discutido e, acredito, não suficientemente entendido pelos mais de meio milhão de profissionais da contabilidade. Vale registrar que o CFC, com seus 20% obrigatórios, de 27 CRC(s) e mais 1% de 6 CRC(s), ao longo vários anos, transfere parte daqueles recursos "tomados" dos CRC(s) para os próprios CRC(s), via transferências de capital, transferências correntes e empréstimos. Os motivos para a devolução são diversos, mas principalmente, complemento ao custeios e empréstimos para obras e/ou inversões. O CFC cobra juros dos empréstimos (não pretendemos aqui entrar no mérito da proibição expressa na lei de responsabilidade fiscal para empréstimos entre autarquias).

               Em 2018 houve Empréstimos de R$ 8,8 milhões (R$ 6,0 milhões somente para o Rio Grande do Sul), R$ 2,0 milhões em transferências de capital (ajuda no custeio e sem devolução – uma espécie de “fundo perdido”) e R$ 6,3 milhões em transferências correntes (em grande parte apenas devolução dos gastos com exame de suficiência). Por enquanto, deixemos o “socorro” aos CRC(s) para outra discussão. Voltemos às aplicações financeiras.

           Quando os CRC(s) e CFC aplicam suas sobras de recursos, os juros obtidos (receitas financeiras), passam a fazer parte do orçamento. No caso em tela, em percentuais significativos. No CFC, em média, nos doze meses do ano de 2018, as aplicações financeiras mensais alcançaram o valor médio de R$ 102,1 milhões. Isso mesmo, R$ 102,1 milhões/mês. É simples fazer esta conta: vá ao portal da transparência, veja o total da receita financeira anual, no caso de CFC, em 2018, foram R$ 6,2 milhões de receitas financeiras reconhecidas contabilmente. Ora, sabemos que 100% CDI médio de 2018 (parâmetro para aferição de performance no mercado financeiro) foi de 6,42%aa. Agora, sem precisar consultar 12 meses de aplicações financeiras, considere que os CRC(s) obtiveram no mínimo 95% da taxa CDI (o que é muito normal em aplicações de baixo risco), o que dá uma remuneração de 6,099%aa em média. Pronto, dessa forma, se obtém o valor médio das aplicações financeiras. Vejamos na prática:
  • Taxa média do CDI: 6,42%aa
  • 95% da taxa média do CDI (performance mínima): 6,099%aa
  • Receita financeira do CFC: R$ 6.226,9 milhões
  • A questão: Qual o valor aplicado que produz juros de R$ 6.226,9 milhões?
  • Resposta: R$ 6.226,9 / 0,06099 = R$ 102,1 milhões.


          O quadro 1, a seguir, indica quanto cada um dos seis maiores CRC(s) e CFC aplicaram de recursos, em média mensal, no ano de 2018. As receitas financeiras apresentadas no quadro 1 são anuais e representam a remuneração pelas aplicações.
 Quadro 1


Despesas com pessoal nos seis maiores CRC(s) 

As despesas com pessoal, com todos os encargos, quando comparadas com o total das receitas correntes; diminuídas dos repasses ao CFC (cota-parte + Fides) e das receitas financeiras, posto que receita financeira é algo que deva existir de forma residual apenas para suportar as oscilações do caixa mínimo operacional; atingiram em 2018 a média, de 60,9%.  Em 2018, foram pagos a 578 colaboradores, nos seis maiores CRC(s), R$ 117,5 milhões, o que proporciona um total médio de despesas com pessoal da ordem de R$ 16.940,60/mês por cada funcionário/colaborador.
O quadro 2, a seguir, aponta a razão (quociente) entre as despesas com pessoal e as receitas correntes, diminuídas dos repasses ao CFC e das receitas financeiras. Chamamos a esta razão (quociente) de Receita Corrente Líquida para os CRC(s) – RCL-CRC.
É dada pela seguinte fórmula: {Despesa com Pessoal / [Receita Corrente – (cota parte + Fides + receita financeira)]}.
Quadro 2

             Observem que, na média, nos seis maiores CRC(s) em arrecadação, consumiram em despesas com pessoal em 2018, 60,9% da Receita Corrente Líquida dos CRC(s).
No CRCRS (Rio Grande do Sul), 64,5%. Desta forma, fácil concluir que somente 39% “sobram” em média, para fiscalização, educação continuada, outros custeios, diárias, passagens, auxílios etc.
            Realmente estes dois assuntos precisam estar na pauta de qualquer reunião da classe. São assuntos interdependentes e interagentes e absolutamente não são de fácil solução. O TCU certamente se manifestará sobre estes e outros fatos.
            A classe contábil precisa se fazer presente com discussões técnicas que satisfaça aos anseios de todas as partes envolvidas. Observem que discussões técnicas são diferentes de discussões vãs que agridem a honra das pessoas e sujeitam os agressores às penas da lei, como é comum vermos nas mídias sociais. Se toda a classe participar com técnica e argumentos, mesmo que divergentes mas respeitosos uns com os outros, ganhamos todos. Afinal estamos todos no “mesmo barco”
            Finalmente, quem elege os conselheiros é a classe contábil, não adianta votar em branco ou anular o voto, uma chapa irá se eleger e pode ser que você não esteja alinhado com aqueles pensamentos.
            “Ninguém pretende que a democracia seja perfeita ou sem defeito. Tem-se dito que a democracia é a pior forma de governo, salvo todas as demais formas que têm sido experimentadas de tempos em tempos.” [Sir Winston Churchill].
            Vamos! Novembro de 2019 está aí mesmo, faça o líder da sua chapa, que irá renovar 1/3 do plenário dos CRC(s) se comprometer com mudanças, se assim você o desejar ou deixe tudo como está, se assim também for sua preferência, porém precisará aguardar PEC(s) e TCU(s).